Sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e Presidente da Academia Paulista de Letras
O PASSADO ENCARECENDO O PRESENTE
Diz o ditado que o negócio é andar pra frente, que não adianta chorar o leite derramado, o que passou, passou. 11 de Novembro de 2022Diz o ditado que o negócio é andar pra frente, que não adianta chorar o
leite derramado, o que passou, passou. Pode ser que seja, pode ser que não
seja, mas com certeza para o setor de seguro a coisa é complicada. O passado
assombra e cobra caro.
A base do seguro é a ciência atuarial, a estatística, o que já aconteceu,
como aconteceu e quanto custou. É com base nessas informações que as
seguradoras precificam seus produtos e cobram o valor de cada apólice, levando
em conta o segurado e o risco proposto.
Não é por outra razão que o setor de seguros é uma atividade
conservadora. A inovação, o desconhecido não podem ser corretamente avaliados
com base na experiência passada. O que ainda não aconteceu, no universo do
seguro, não tem base matemática para ter um preço. Isso é tudo que as
seguradoras não querem.
Acontece que a experiência passada fala de um momento que pode ou não se
repetir e isso também pode levar a distorções mais ou menos graves, capazes,
por conta de uma anomalia, de encarecer demais o preço da apólice.
Por exemplo, as tempestades de verão inundam, regularmente, várias ruas
de São Paulo e essas inundações atingem centenas de veículos. É um dado
científico, verificado anualmente pelas seguradoras que operam na carteira de
automóvel. Um ano pode ser um pouco mais custoso, outro menos, mas, no fritar
dos ovos, fica um pelo outro e a negociação do resseguro de catástrofe,
importante para a seguradora se proteger do risco, não foge muito de parâmetros
mais ou menos conhecidos.
Todavia, no seguro rural esta regra não vale. Desde 2015, as seguradoras
brasileiras vinham tendo um desempenho mais do que satisfatório com ele, tanto
que várias companhias que não operavam na carteira decidiram ingressar no
negócio. Só que, em 2020, a vaca foi para o brejo. O seguro rural teve uma
explosão da sinistralidade e o quadro se repetiu em 2021.
Como me disse o CEO de uma das principais seguradoras do país, as
indenizações desses dois anos comeram os resultados positivos dos anos
anteriores, criando buracos importantes nas contas de várias seguradoras, que,
em alguns casos, tiveram que assumir pesados prejuízos.
A pergunta a ser respondia é se, com base na experiência internacional,
não seria possível esperar que, em algum momento ao longo de cinco ou seis anos,
o quadro viraria e o lucro se transformaria em prejuízo. E a reposta é: depende. Mas um depende
sofrido. Em princípio, em época de mudanças climáticas, todo cuidado é pouco. O
que aconteceu não foi a quebra da safra nacional, mas a seca que atingiu o sul
e o excesso de chuvas que atingiu parte do centro-oeste.
Como gato escaldado tem medo de água fria, as resseguradoras suspenderam
grande parte de suas operações com seguro rural no Brasil. Ninguém sabe o que
vai acontecer na próxima safra, mas, por conta dos prejuízos passados, tem
agricultor que não conseguiu contratar seguro e tem os que conseguiram por
preço muito mais caro. É o fantasma do passado assombrando o futuro.