Sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e Presidente da Academia Paulista de Letras
É PRECISO LER O CONTRATO
Entre as coisas que o brasileiro não gosta de fazer, ler se destaca com enorme evidência. Comparando com outros povos, o brasileiro lê poucos livros, jornais, revistas, bulas de remédio, etc. 03 de Setembro de 2021Entre as coisas que o brasileiro não gosta de fazer, ler se destaca com
enorme evidência. Comparando com outros povos, o brasileiro lê poucos livros,
jornais, revistas, bulas de remédio, etc.
Só que o problema vai mais longe. Nós não gostamos de ler contratos e
documentos legais que podem interferir em nossas vidas. O resultado é que
invariavelmente surgem problemas decorrentes da ignorância daquilo que foi
assinado, porque a assinatura foi feita sem que o documento tivesse sido
inteiramente lido. O cidadão pergunta ao outro se está tudo certo e, quando o
outro diz que sim, ele assina. Não porque confia, mas porque não gosta de ler e
os contratos e documentos legais costumam ser muito chatos, monótonos, escritos
em letras pequenas, com muitos parágrafos, itens e subitens, que tomam muito
tempo de quem deve assinar, razão pela qual ele faz de conta que confia e
assina, ainda que podendo ter um prejuízo decorrente da aceitação da avença,
confirmada pela assinatura no local do contratante.
Com certeza, os contratos de seguros não são documentos alegres. A
leitura é pesada e complicada, existem termos técnicos, palavras difíceis,
definições complexas, muitas vezes além do alcance da capacidade de entendimento
de quem está contratando a apólice. O resultado é que a maioria dos contratos
de seguros é pouco conhecida pelos segurados e o resultado desse
desconhecimento pode acabar num processo judicial, porque a seguradora, ao
contrário do que o segurado espera, não paga determinada indenização não
coberta pela apólice.
É preciso dizer que a judicialização das relações de seguros é menor do
que dizem. São milhões de apólices emitidas e procedimentos autorizados todos
os anos, o que faz com que a taxa de processos envolvendo essa atividade fique
baixa quando comparada com outras relações de consumo.
Muito desse resultado é fruto da atuação do corretor de seguros. Ainda
que a lei brasileira não diga que o corretor de seguros é o representante do
segurado nas relações com a seguradora, a definição internacional da atividade
coloca o corretor de seguros nessa situação e o mercado nacional, seguindo a
regra internacional, faz do corretor, na prática, o representante do segurado.
Profissional treinado para trabalhar com apólices de seguros e assessorar
seus clientes, o corretor de seguros se encarrega de conhecer os produtos que
oferece aos seus segurados, explicando o que e como está coberto e o que não
está coberto. Assim, mesmo sem ler o contrato, o segurado sabe, grosso modo, o
que contratou e, se surgir alguma dúvida, ele tem sempre o seu corretor para
esclarecê-la.
É uma solução que, na prática, funciona com bastante eficiência. Mas
existem situações em que a explicação do corretor de seguros pode não ser
suficiente para transmitir para o segurado as informações necessárias para ele
saber o que efetivamente contratou. É aí que a porca torce o rabo. O
desconhecimento pode gerar desconfianças e dúvidas que empanam a transparência
da relação segurado/corretor e segurado/seguradora.
Se o brasileiro lesse com mais assiduidade o que está contratando,
inclusive porque é do seu interesse direto saber os detalhes do negócio
realizado, com certeza esse problema seria menor.
Como, na prática, repita-se, não é isso o que acontece, o jeito
encontrado para minimizar o problema foi a criação de manuais do segurado, onde
as seguradoras explicam de forma descomplicada e rápida as principais
tipicidades de seus produtos. Foi um passo importante no sentido de melhorar as
relações de consumo do setor e que agora vai sendo complementado pela
simplificação da linguagem das apólices.
Abandonar o “segurês” se faz necessário e urgente. Sintonizadas com seu
tempo, a maioria das seguradoras está tornando suas apólices menos herméticas, mais
simples e objetivas, mas isso não significa que as divergências vão acabar.
Enquanto o brasileiro insistir em assinar sem ler, nem toda a boa vontade do
mundo será capaz de colocar fim aos problemas e divergências decorrentes do
desconhecimento do contrato.