Sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e Presidente da Academia Paulista de Letras
QUEREM ESTATIZAR O SEGURO OBRIGATÓRIO
A proposta apresentada pelo governo para um novo seguro obrigatório de acidentes de trânsito estatiza o novo seguro, que passaria a ser administrado pela Caixa, que não é seguradora. 08 de Dezembro de 2023A proposta apresentada pelo governo para um novo seguro obrigatório de
acidentes de trânsito estatiza o novo seguro, que passaria a ser administrado
pela Caixa, que não é seguradora, não tem essa missão em seu “core business”,
nem mostra o apetite necessário para dar conta dela, em consonância com as
reais necessidades da sociedade brasileira, qual seja, capilaridade, rapidez e
simplicidade operacional.
O projeto apresentado não é um seguro. É uma assistência social
travestida de seguro. De acordo com a lei, a operação de seguro é
exclusivamente feita por companhia seguradora. A Caixa não é seguradora. Assim,
ela não pode operar o seguro obrigatório, o que, consequentemente,
descaracteriza o projeto do governo, transformando o SPVAT (Seguro Obrigatório
Para Vítimas de Acidentes de Trânsito) numa assistência social atuando como
seguro.
Na prática, o Brasil está sem seguro obrigatório para acidentes de
trânsito já faz alguns anos, desde que a SUSEP (Superintendência de Seguros
Privados) decidiu encerrar a gestão do DPVAT (Seguro de Danos Pessoais Causados
por Veículos Automotores Terrestres) pela Seguradora Líder. A Seguradora Líder,
durante vários anos, operou o DPVAT de maneira eficiente, atendendo as vítimas
de acidentes de trânsito em todas as regiões do país. Para isso, ela se valia
de uma rede autorizada a receber os documentos do seguro espalhada pelo
território nacional.
Ao retirar a gestão da Seguradora Líder e passá-la automaticamente e sem
licitação para a Caixa, a SUSEP cometeu uma série de eventuais ilegalidades,
mas isto não é o tema do artigo. O que nos importa é andar para frente,
partindo da triste premissa de que, neste momento, dezenas de milhares de
vítimas de acidentes de trânsito estão sem receber as indenizações a que teriam
direito porque o modelo atual não está aparelhada para fazer a gestão do DPVAT.
A ideia do governo é perenizar a operação do DPVAT pela Caixa. E isto,
além de ferir a lei, já que ela não é seguradora e, portanto, não pode operar
seguros, agrava um problema sério, qual seja, a falta de capacidade para
atender as demandas do seguro obrigatório com a simplicidade e rapidez que
estas ações necessitam.
Seguro é uma operação específica, prevista em lei, com condições
particulares não aplicáveis a outras atividades econômicas. Quem sabe fazer
seguro são as seguradoras. No caso do seguro obrigatório para acidentes de
trânsito, desde meados da década de 1970, o setor opera de forma eficiente,
ainda que sujeito a chuvas e trovoadas ao longo do caminho. Nesse espaço de tempo, o Brasil conviveu com
o RECOVAT e depois com o DPVAT, a partir de meados da década de 1970. Na longa
jornada, milhões de indenizações foram pagas e, tão importante quanto isto,
bilhões de reais foram repassados ao SUS, já que a lei determina a
transferência de 50% do faturamento do seguro para o sistema de saúde pública.
Não adianta pensar em manter o DPVAT como ele era, mas a criação de um
novo seguro pode levar em conta nos estudos preliminares a manutenção de seus
princípios básicos, da mesma forma que outros modelos também merecem ser
analisados.
O que não dá é seguir em frente sem seguro ou, pior ainda, com um seguro
que não é seguro, operado por alguém que não é seguradora. Não tem sentido
prático estatizar o seguro obrigatório de acidentes de trânsito. O seu bom
funcionamento depende das seguradoras privadas.