Artigo: Riscos financeiros da mudança climática
Por Márcio Garcia, PhD por Stanford e professor titular do
Departamento de Economia da PUC-Rio, foi pesquisador do Ipea e coautor do livro
“Risco e Regulação”
Amplia-se a cada dia o consenso de que os riscos climáticos
constituem a maior ameaça de longo prazo ao planeta e à vida humana. Governos e
instituições, internacionais e nacionais, públicas e privadas, vêm tomando
iniciativas cada vez mais abrangentes para mitigar tais riscos. Os reguladores
do sistema financeiro (SF), notadamente os bancos centrais, têm, por dever de
ofício, que se preocupar com os efeitos de tais riscos sobre a higidez do SF.
Mas que formas mais efetivas de regulação deveriam ser adotadas para lidar com
tais riscos?
Para discutir este importante tema, a conferência de verão
(no hemisfério norte) do National Bureau of Economic Research (NBER) organizou
na semana passada um painel de experts.1 René Stulz (Ohio State University), o
coordenador, formulou quatro perguntas para os panelistas. Constituem os riscos
climáticos riscos sistêmicos para o SF, hoje ou no futuro? Quão importante são
os riscos climáticos para as instituições financeiras (IFs) hoje? Qual a melhor
forma de medir tais riscos, tanto para o SF, quanto para IFs individuais, e
qual a utilidade de testes de estresse para aferir o impacto dos riscos
climáticos? Que esforço de pesquisa acadêmica se faz necessário?
O debate já começou aguerrido, com John Cochrane (Hoover
Institution) manifestando sua conhecida2 e polêmica opinião. Cochrane reconhece
a enorme importância de serem tomadas medidas para lidar com os riscos
climáticos. Mas é contra a criação de uma nova camada de regulação financeira
para lidar com os efeitos de tais riscos sobre as IFs e sobre o SF.
Primeiro, por que a regulação financeira pode somente
influenciar a atuação das IFs nos horizontes curto e médio, enquanto os riscos
climáticos são de longo prazo. Choques em preços de ativos afetados pelos
riscos físicos (eventos climáticos adversos) ou de transição (para uma economia
de baixo carbono) têm efeitos apenas localizados, sobre investidores ou IFs,
mas não colocariam em risco o SF.
Segundo, pode até ser que um evento climático nos próximos
cinco anos venha a causar uma corrida bancária, mas nada do que se sabe hoje
indicaria que tal evento possa vir a ocorrer. Seria o que se conhece por
“incógnitas desconhecidas” (unknown unknowns) que, por definição, não seriam
previsíveis, nem modeláveis. Ou seja, regulação adicional, com o objetivo de
ajudar a antever e mitigar um risco sobre o qual nada se sabe, seria
contraprodutiva. Além de custosa, tanto para as IFs quanto para os reguladores,
daria a falsa impressão que os riscos estariam mapeados e controlados.
Cochrane usa o exemplo da pandemia. Nota que apesar de
vários analistas apontarem há tempos o risco de uma pandemia, nenhum teste de
estresse anterior apontava tal fonte de risco como relevante para o SF. E,
quando a pandemia se abateu, com efeitos gravíssimos sobre o SF, em março de
2020, o Fed e demais bancos centrais atuaram para debelar o pânico. As medidas
de prevenção existentes foram ineficazes para antever o risco da pandemia.
De qualquer forma, frente a tais incógnitas desconhecidas,
tudo que a regulação financeira pode fazer é exigir mais capital, o que deveria
fazer. Segundo ele, não se deveria sobrecarregar as IFs com exigências
regulatórias ineficazes, nem muito menos usar a regulação financeira para
alocar crédito politicamente ou subsidiar projetos verdes.
Já Robert Engle (New York University, Prêmio Nobel em 2003)
mostrou-se favorável a testes de estresse e a medidas macroprudenciais para
aferir e prevenir efeitos dos riscos climáticos sobre o SF e as IFs. Relatou
diversos trabalhos que vem fazendo sobre o assunto, inclusive a estimação de
“betas climáticos” para grandes bancos.
Robert Litterman (Kepos Capital) citou o relatório3 que
liderou sobre o assunto, encomendado pela U.S. Commodity Futures Trading
Commission (CFTC). Tal relatório tem 53 recomendações, algumas bem mais abrangentes,
como a principal, de que os EUA criem preço para o carbono. Frente à enorme
incerteza trazida pelos riscos climáticos, Litterman considera ser essencial
que IFs façam o disclosure devido dos efeitos dos riscos climáticos, segundo
critérios recomendados pela Network of Central Banks and Supervisors for
Greening the Financial System (NGFS).
Finalmente, Kevin Stiroh (Fed Board) defendeu novas
regulações, não para promover a mitigação dos riscos climáticos per se, mas,
sim, para minimizar os riscos sobre as IFs e sobre o SF. Enfatizou que não se
trata de um novo mandato para o regulador (o Fed), mas, sim, de um novo fator
de risco a ser considerado nos testes de estresse. Como o painel deixou claro,
trata-se de tema extremamente importante e complexo.
Sem dúvida alguma, as IFs devem contribuir para ajudar a
atacar os riscos climáticos, como muitas delas já vêm fazendo. E certamente
cabe à regulação financeira prevenir riscos sistêmicos eventualmente causados
pelos riscos climáticos. Mas tudo isso deve ser feito sem interferir
indevidamente na alocação de capital pelas IFs. No Brasil, o Banco Central ora
se debruça sobre consultas públicas4 que foram feitas recentemente sobre tais
temas, como parte da dimensão “Sustentabilidade” da Agenda BC#.
Desenhar a regulação financeira adequada é tarefa importante
e também cheia de riscos, tanto de fazer muito pouco, quanto de errar a mão e
exigir demais. E é necessário aumentar o esforço de pesquisa acadêmica sobre
esse importante assunto, também no Brasil, para dar respaldo mais sólido a
medidas regulatórias nessa área.
Veja o debate aqui.