Com cenário favorável e competição, fundos de previdência voltam a superar inflação
Um levantamento feito pelo Valor Investe mostrou que dos 3,6 mil fundos de previdência existentes em 2023, 98% renderam mais do que a inflação
Valor Econômico - 22 de Abril de 2024O número de fundos de previdência que rendem mais do que a inflação vem subindo nos últimos tempos. Isso significa que a grande maioria desses produtos estão garantindo o poder de compra de quem investe e, assim, cumprindo um dos principais objetivos, que é ter uma aposentadoria tranquila financeiramente. Um levantamento feito pelo Valor Investe mostrou que dos 3,6 mil fundos de previdência existentes em 2023, 98% renderam mais do que o IPCA daquele ano.
Segundo especialistas, esse bom desempenho se deve
especialmente a dois fatores. O primeiro deles é o cenário macroeconômico
favorável. A segunda razão é a “explosão” de novos fundos, que aumentou a
competição e, com isso, melhorou a oferta de produtos e ajudou a diminuir a
taxa de administração das carteiras (que representa, na prática, um custo para
os investidores).
O cenário macro atual, de juros (ainda) altos e inflação sob
controle, ajuda a explicar o bom desempenho dos fundos de previdência, já que
muitos desses produtos ainda são de renda fixa. Com isso, a maioria deles se
beneficia da taxa Selic acima de dois dígitos, apesar de essa fotografia estar
mudando nos últimos anos.
Em 2023, a diferença do CDI (taxa que segue de perto a Selic
e é usada como indexador de muitos produtos de renda fixa) para a inflação foi
de 8,43 pontos percentuais. Isso significa que se um gestor colocasse grande
parte dos recursos do fundo em um título que rendesse perto do CDI (como o
Tesouro Selic, por exemplo), ele provavelmente já garantia um ganho acima da
inflação. Não à toa, o levantamento do Valor Investe feito com dados da
plataforma Morningstar mostra que quase a totalidade fundos da classe, no ano
passado, renderam mais que a inflação.
Já dez anos antes (em 2013), por exemplo, a diferença entre
o CDI e a inflação era pequena, de 2,14 pontos percentuais. Desse jeito, era
mais “difícil” encontrar um fundo que rendesse mais do que a inflação. Afinal,
o próprio CDI oferecia um retorno pouco acima do IPCA. Então, para conseguir
ganhos superiores à inflação o gestor precisava se arriscar mais e acertar em
suas apostas. E, com os custos administrativos maiores à época, a tarefa não
era fácil. Prova disso, é que apenas 17% dos fundos de previdência renderam
mais do que o IPCA naquele ano.
É importante lembrar que existem outros cenários
macroeconômicos que influenciam no ganho real (ou seja, superior à inflação)
dos fundos de previdência. Exemplo disso foram os anos de 2018 e 2019, quando a
diferença do CDI para a inflação era pequena, mas mesmo assim esses produtos
tiveram bom desempenho.
Nestes anos, houve uma queda significativa dos juros (a
Selic começou 2018 em 7% ao ano e encerrou 2019 em 4,5% ao ano). Com isso, os
títulos públicos atrelados à inflação viram seus rendimentos explodirem, o que
levou os gestores da época a terem lucro com esses ativos e, com isso, garantir
um retorno acima do IPCA para os fundos. Para se ter uma ideia, em 2018 o IMA-B
(uma categoria de índices que acompanham os títulos atrelados ao IPCA) teve
retorno de 13% contra 3,75% da inflação. Em 2019, o IMA-B subiu quase 23% e a
inflação foi de 4,31%.
O cenário atual é diferente deste mas, segundo
especialistas, é praticamente perfeito para garantir ganhos acima da inflação.
'Nos últimos anos, a inflação desacelerou. Em 2021, ela era de 10% ao ano.
Depois disso, o Banco Central subiu juros e o IPCA começou a cair. Então, esses
juros mais elevados contribuíram para que esses produtos tivessem um ganho
acima da inflação. Esse foi o principal fator para que a rentabilidade dos
produtos de previdência, mesmo mais conservadores, batessem a inflação',
afirma Clayton Calixto, especialista de portfólio da Santander Asset.
No entanto, outros motivos também ajudaram no bom resultado
do ano passado. E, segundo especialistas, essas razões também podem colaborar
para que, daqui para a frente, a rentabilidade real dos produtos de previdência
se mantenha alta mesmo quando o contexto macroeconômico for menos favorável. Um
desses fatores foi o aumento da competição nessa indústria.
Uma evidência disso é que em 2023, quando 98% dos fundos
superaram a inflação, existiam quase 3.600 produtos de previdência disponíveis
no mercado. Em 2013, dez anos antes, quando apenas 17% batiam o IPCA, o número
de fundos não chegava a 650.
Esse aumento da oferta veio junto com uma evolução do
próprio setor. E um marco para que isso acontecesse foi a Resolução n°
4.444/15, de 2015. A norma ampliou os tipos de ativos que cada classe de fundos
de previdência poderia ter em seu portfólio, além de mudar os limites de
alocação em relação ao valor total da carteira. Para se ter uma ideia, antes da
resolução, o investimento máximo em renda variável dos planos abertos de
previdência era de 49%. Após as mudanças, ele passou a ser de 70% para investidores
em geral e de 100% no caso dos planos exclusivos para investidores qualificados
(aqueles que possuem ao menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras).
E isso, claro, estimulou que novas gestoras oferecessem o
produto, além de incentivar, nas gestoras mais antigas, a criação de novos
fundos.
'Vimos uma sofisticação muito grande nos últimos cinco
anos no mercado de previdência. Isso foi iniciado ali em 2015, quando surgiu a
resolução que permitiu uma ampliação do escopo dos fundos de previdência,
trouxe uma flexibilização da classe de ativos e uma maior permissão de alocação
no exterior... Isso tudo deixou o veículo de previdência, que já tinha
vantagens tributárias, mais atrativo. Até demorou um pouco para o mercado
engrenar, mas o aumento do número de gestoras, da competição e o maior acesso para
o investidor a produtos de previdência foi como um motor para a indústria se
desenvolver', afirma Fernando Cavallete, especialista de portfólio da Itaú
Asset Management.
Esse desenvolvimento se traduziu, segundo os especialistas,
não só em mais fundos disponíveis no mercado, mas também em um refinamento dos
produtos ofertados. Segundo Calixto, na própria Santander Asset surgiram
produtos de previdência multimercados, que investem não só em juros atrelados
ao CDI (como tradicionalmente faziam os fundos de previdência), mas também
alocam em outros fundos, em títulos de crédito privado e até em juros no
exterior. O mesmo aconteceu na Itaú Asset, segundo Cavallete. Ele explica que,
atualmente, quando é lançado um fundo multimercado na gestora, a mesma
estratégia é replicada para um produto de previdência. 'Assim, o
investidor escolhe se ele prefere aplicar por meio da previdência ou do fundo
multimercado', diz.
Essa maior 'sofisticação' dos produtos de
previdência permitiu também que os fundos entregassem resultados mais
consistentes ao longo dos últimos anos. Segundo Estevão Scripilliti, diretor da
Bradesco Vida e Previdência, essa consistência acontece porque há mais
flexibilidade tanto para os gestores adaptarem os portfólios daquele fundo ao
cenário macroeconômico, como também há mais liberdade para os investidores
migrarem para outros fundos. Assim, como ninguém quer 'perder' o
investidor, os gestores se esforçam para conseguir resultados melhores e
superarem a concorrência.
'Hoje todo mundo corre o tempo todo para ser melhor que
o vizinho e o ambiente regulatório permitiu mais flexibilidade para os
gestores. Isso tudo faz com que os produtos de previdência tenham rendimentos
cada vez mais consistentes, independentemente do ciclo econômico. Tanto o
ambiente regulatório, que permite uma maior flexibilidade de realocação do
portfólio, quanto os avanços na facilidade da portabilidade, permitem uma
entrega de resultados consistentes', afirma Scripilliti.
Essa evolução da indústria e dos próprios produtos se
traduz, segundo os especialistas, na própria demanda e entendimento dos
investidores em relação ao fundo de previdência. De acordo com Cavallete, tanto
os gestores como quem aplica olham cada vez menos para o CDI como um referência
a ser batida.
'O investidor está aprendendo a deixar de só olhar para
o CDI. Ele entende que se o objetivo é proteger seu poder de compra para a
aposentadoria, nada melhor do que ter parte dos recursos atrelados à inflação,
e ter ganhos reais acima dela', afirma.
Com isso, tamém surgem produtos cada vez mais segmentados,
voltados para públicos ou objetivos específicos, como afirma Carlos Eduardo
Gondim, diretor executivo de Vida e Previdência da Porto Seguro.
'A flexibilidade é uma palavra importante nessas
mudanças na indústria, porque nos permite trazer soluções distintas para
atender necessidades, expectativas e apetites de risco dos mais diferentes
clientes', afirma.
Para ele, esse aprimoramento dos produtos também ajuda a
previdência a cumprir um de seus principais papéis: garantir, no futuro, o
poder de compra de quem investe nela - e, quem sabe, até mais do que isso. Ou
seja, bater a inflação, como vem acontecendo.
Reflexo nas taxas
Além de aumentar o número de fundos disponíveis, sofisticar
as estratégias e permitir a criação de diferentes produtos para os mais
variados objetivos, o crescimento da competição e a própria evolução do setor
de previdência também teve reflexo nas taxas que são pagas pelo investidor à
gestora e à administradora daquele fundo, também chamadas de taxa de
administração.
O estudo do Valor Investe mostra que, dentre os fundos
criados em 2023, a mediana das taxas de administração mínimas dos produtos de
previdência é de 0,55% ao ano. Este é o menor valor desde 2016, ano seguinte ao
lançamento da Resolução n° 4.444, que flexibilizou as regras para a indústria.
Por outro lado, a mediana da taxa de administração máxima
praticada nos fundos de previdência é de 2% ao ano, mesmo valor desde 2020.
Antes, esse número costumava ser menor. Além disso, dos fundos criados em 2023,
31% cobram do investidor a chamada 'taxa de performance', que é como
se chama o pagamento 'extra' ao gestor quando o desempenho daquele
fundo supera uma meta. Esse percentual também veio crescendo com o passar dos
anos.
Segundo Cavallete, da Itaú Asset, na prática, o que esses
números mostram é que foram surgindo mais opções de fundos de estratégias mais
simples (o que barateou as taxas de administração mínimas), mas
simultaneamente, foram criados fundos mais sofisticados que, aí sim, têm uma
taxa mais alta, justamente porque buscam retornos maiores para o investidor,
apesar de assumirem maiores riscos.
'De um modo geral, a gente vê uma tendência de redução
nas taxas de administração. Acontece conosco e no mercado em geral. Por um
lado, você vê reduções mais significativas nas taxas de produtos mais
conservadores, que são menos sofisticados, mas que também têm sua importância,
especialmente para clientes que não querem correr risco. Justamente pelo
aumento da concorrência, por ser um produto tradicional, que todo mundo faz,
vira quase uma 'commodity' e o equilíbrio do mercado se dá em taxa mais baixa.
Por outro lado, com a evolução do setor de previdência, há mais liberdade e
mais investidores entendendo que precisam diversificar seu portfólio. E isso
nos permite criar mais produtos dessa gama, que exigem um alto grau de
tecnicidade e capital humano para entregar o resultado almejado. Nesse caso, a
taxa de administração é mais elevada. Mas mesmo com taxa de administração mais
alta, o resultado líquido para o cliente é super positivo', diz.
Trocando em miúdos, a evolução dessa indústria chegou a um
cenário em que o cliente pode escolher o que ele prefere. Ele pode optar, por
exemplo, por um fundo mais conservador, sem taxa de performance e com taxa de
administração mais baixa, diferente do que acontecia há anos atrás. Ou, se o
investidor preferir, ele pode alocar em um fundo com taxa de performance,
geralmente com taxa de administração mais alta, mas mais arriscado e, portanto,
com potencial de ganho maior. No fim das contas, quem sai ganhando é o
investidor que souber escolher bem, sempre de acordo com seu perfil e
objetivos.
Um desafio pela frente
Apesar de toda a evolução da indústria, a previdência
privada ainda é um produto que não é amplamente usado pelos brasileiros. No fim
do ano passado, dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida
(FenaPrevi) mostravam que 10,8 milhões de pessoas tinham aplicações em planos
de previdência no Brasil. Isso representava apenas cerca de 5,3% da população.
Scripilliti, do Bradesco, reconhece que o caminho pela
frente é longo, mas ele vê o copo meio cheio. Segundo o especialista, ao
contrário de outros produtos (como outras classes de fundos de investimento,
por exemplo), a previdência tem mostrado uma captação estável, o que evidencia
que os investidores entendem a importância desse tipo de ativo.
'Vale chamar atenção de como a previdência, se
comparada há outras alternativas, tem mostrado uma consistência grande de
recursos aportados. Isso mostra que o instrumento está sendo cada vez mais bem
vendido e mais compreendido', afirma. 'A previdência passou por
pandemia, ciclo de juros baixos, ciclo de juros altos, mas sempre com
consistência de captação líquida positiva', completa.
Para ele, o produto não deve ter um crescimento exponencial
em um prazo curto, mas sim um aumento do número de investidores constante,
ainda que mais lento. Segundo os especialistas, o que é necessário para que
isso aconteça é uma 'venda' cada vez mais especializada por parte de
corretores e assessores de investimentos.
'A gente precisa falar mais de previdência, conhecer
melhor a previdência, de trazer conhecimento para os clientes', afirma
Gondim, da Porto Seguro. 'Temos feito ações de capacitação e informação de
corretores, de assessores. Eles são os profissionais que discutem com clientes
a alocação de recursos e precisam trazer esse conhecimento, entender as
necessidades dos clientes e mostrar benefícios, apresentar as alternativas e
apoiar os clientes nessa alocação', diz.
O executivo conta que a Porto Seguro faz reuniões mensais de
gestores tanto da prória Porto Seguro Asset quanto de gestoras terceirizadas
que também têm fundos ofertados pela casa com esses assessores, a fim de
muni-los cada vez mais de informações para que elas sejam repassadas aos
clientes de forma correta.
Segundo Scripilliti, do Bradesco, é importante que a
previdência seja desmistificada. 'Durante muito tempo tivemos dois
fantasmas. O primeiro é o mito de que previdência é só para quem tem muito
dinheiro. O segundo é que o produto é muito complexo, com muitas regras, muitos
nomes. Eu acho que temos que quebrar esses estigmas que foram criados no
passado e tentar simplificar essa discussão', diz.
De fato, a indústria tem caminhado para uma evolução,
especialmente com o aumento da oferta de fundos. Mas, assim como em todos os
produtos financeiros, é fundamental que o investidor pesquise a respeito do
investimento que quer fazer, para verificar se ele está alinhado com seu perfil
e objetivos.