Bancos temem brechas em regra de registro de veículos
O Valor Econômico revela que uma resolução publicada na véspera de Natal pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) sobre o registro de veículos financiados despertou a reação dos bancos, que veem na medida brechas para aumento de custos e corrupção. Diante da insegurança, as instituições financeiras cogitam a possibilidade de restringir essa linha de crédito em alguns Estados.
A
Febraban, a B3 e a Associação Nacional das Instituições de Crédito,
Financiamento e Investimento (Acrefi) mandaram no dia 8 deste mês um ofício
conjunto pedindo uma reunião com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de
Freitas, para discutir o assunto. O Departamento Nacional de Trânsito
(Denatran) é vinculado à pasta.
O
Valor teve acesso ao documento, que aponta o risco de “sensíveis impactos no mercado
de financiamento de veículos” e levanta “preocupações” com a
constitucionalidade da nova regra. Ainda não houve resposta do ministério ao
pedido.
A
resolução Contran 807, que entrou em vigor no dia 1º mudou o trâmite para o
registro de um veículo financiado. Quando se vende um veículo de forma
parcelada, é feita a alienação fiduciária do ativo até que todas as prestações
sejam quitadas. Para mitigar o risco de fraudes, é preciso registrar e disparar
a todos os Detrans a informação de que aquele automóvel está sujeito a um
contrato de financiamento.
Esse
processo é feito em duas etapas. A primeira é chamada de apontamento ou
pré-gravame e historicamente é realizada pela B3 - a nova regra confirma que
essa operação tem de ser feita por entidade autorizada pelo Banco Central (BC).
A bolsa é contratada pelas instituições financeiras como um repositório
centralizado de dados sobre os contratos de crédito.
A
segunda fase, que configura o registro do contrato, se dá nos próprios
departamentos estaduais de trânsito. É nesse ponto que a resolução tem
fragilidades, segundo as instituições financeiras. O texto diz que os Detrans
podem fazer o registro diretamente ou contratar empresas para prestar o
serviço. A seleção das companhias é feita por processo de credenciamento (e não
de licitação) com critérios a ser definidos pelos próprios órgãos.
A
resolução proíbe que as próprias instituições financeiras ou que registradoras
autorizadas pelo BC - caso da própria B3 - atuem no registro definitivo. O
pagamento do serviço de registro cabe aos bancos que concedem ao financiamento
e tem de ser feito diretamente às registradoras, e aos órgãos estaduais. O
recurso, portanto, não passa pelo Orçamento público.
Na
visão de um executivo de uma grande instituição financeira, há chances de
algumas empresas serem barradas nas áreas de compliance, o que significa que
não será possível conceder crédito a clientes desses Estados. Isso poderá
acontecer caso o Detran em questão trabalhe apenas com uma registradora
credenciada - o número de empresas fica a critério do órgão, e alguns optam por
ter só uma.
“Os
Detrans podem estabelecer qualquer critério para selecionar as registradoras.
Não há nenhuma garantia de que o credenciamento não será direcionado”, diz
outra fonte do setor. “É uma relação não transparente.”
O
temor não vem apenas do que os bancos consideram uma lacuna jurídica na
resolução, mas também de uma desconfiança de longa data sobre algumas
registradoras e o relacionamento que mantêm com políticos. Em agosto, o
Ministério Público do Paraná denunciou 11 pessoas na Operação Taxa Alta, que
investiga um esquema de corrupção no registro do financiamento de veículos no
Estado. Entre os réus, estão os irmãos Pantazi, de Brasília, donos da
registradora Infosolo e servidores do Detran. Na ocasião, a Infosolo afirmou ao
G1 que a denúncia “traz finalmente aos investigados a oportunidade de exercer
seus direitos constitucionais de contraditório e ampla defesa, após mais de um
ano de investigações e acusações por parte do parquet”.
Outra
queixa das instituições financeiras é que, com as mudanças, cabe a elas pegar
de volta as informações do apontamento repassá-las para as companhias que farão
o registro definitivo. A B3 não pode simplesmente enviar o arquivo aos Detrans.
Com isso, os bancos terão de manter um sistema para cada Estado para mandar os
dados sobre um veículo financiado a todos.
Há
ainda preocupações com o preço que será cobrado pelas registradoras, uma vez
que a norma não estabelece parâmetros. No ano passado, ainda sob a regra
anterior, as cifras oscilavam bastante. Segundo tabela à qual o Valor teve
acesso, o maior preço era cobrado por uma registradora no Tocantins, de R$
391,19 para cada contrato de financiamento. As registradoras também passarão a
ser responsáveis por dar baixa no gravame do veículo quando o crédito é
quitado. “Não sabemos quanto vão cobrar”, afirma um executivo de banco.
Para
a Febraban, a resolução traz alguns avanços, como a extinção s criação do
Registro Nacional de Gravames (Renagrav) e a exigência de que as empresas
responsáveis pelo apontamento sejam empresas autorizadas pelo BC a atuar em
atividades de registro ou central depositária. No entanto, a entidade critica a
possibilidade de os Detrans terceirizarem o registro, o que permitiria reduzir
custos para o cliente final. Também diz que o pagamento deveria ser feito
diretamente aos Detrans e considera negativa a proibição de uma mesma empresa
fazer o registro do gravame e do contrato.
Em
nota ao Valor, o Ministério da Infraestrutura diz que “cabe aos bancos, através
de regras rígidas e transparentes de compliance, selecionarem empresas idôneas
para realizarem o registro de financiamento de automóveis”.
De
acordo com a pasta, o papel dos Detrans com o credenciamento das registradoras
é impedir que impedor que haja monopólio e estabelecer condições para que haja
competição, e a resolução do Constran busca assegurar esses princípios,
“favoráveis aos consumidores”. O ministério destaca ainda que um anexo da
resolução estabelece critérios para o credenciamento, que exige habilitação
jurídica, fiscal e trabalhista, qualificações econômico-financeiras e técnicas,
e atenção à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e a programas de
compliance.
“O
credenciamento está previsto na lei de licitações na qualidade de
inexigibilidade e essa sistemática pressupõe a pluralidade de interessados e a
indeterminação do número exato de prestadores suficientes para a adequada
prestação do serviço e adequado atendimento do interesse público, de forma que
quanto mais empresas atenderem os requisitos e tiverem interesse na execução do
objeto, melhor será atendido o interesse público”, afirma.
A B3
diz, também por meio de nota, que está “avaliando medidas e impactos sobre sua
atual prestação de serviços para esse setor à luz da nova regulamentação”