SUS sob pressão
Saída de beneficiários dos planos pressiona o sistema público
O Globo - 05 de Agosto de 2020O
Globo
relata que, em abril, dois meses depois do início da epidemia de Covid-19 no
Brasil, 67.460 pessoas deixaram a saúde suplementar no país. Em maio, outros
216.217 brasileiros interromperam seus planos de saúde. São, em sua maioria,
pessoas que perderam seus empregos ou sofreram quedas bruscas nos rendimentos.
Agora, contam apenas com o Sistema Único de Saúde para seu atendimento médico e
hospitalar. Mantida a tendência de fuga dos planos, o SUS pode ficar
sobrecarregado, apontam especialistas.
Caso
os dados de junho sigam os de maio e mais 200 mil usuários fiquem sem plano,
esse terá sido o pior trimestre da História do país, de acordo com José Cechin,
superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).
- De
fato, estamos numa crise. Isso vem acontecendo de forma importante desde abril
e acelerou em maio: 216 mil a menos em um mês só é uma variação importante.
Ainda não temos os dados de junho, mas também deve haver perda de
beneficiários, porque não houve retomada- afirma Cechin.
Em
maio, 37,8 milhões de usuários (80,7% do total) tinham plano coletivo, dos
quais 83% eram coletivos empresariais e 16,4%, coletivos por adesão, formados
por sindicatos e entidades de classe, por exemplo. O restante são planos
individuais.
O
superintendente do IESS explica que a migração para o SUS pode não ser total,
porque uma parcela, tentando agilizar o tratamento, vai procurar clínicas
populares ou consultas particulares. No entanto, isso não é solução para
atendimentos de emergência, cirurgias ou exames mais complexos: 'Com a
saída em massa dos planos, a maioria vai mesmo ter que ir para a fila do SUS e
buscar atendimento em UPA'.
- O
SUS já atende 160 milhões de pessoas e pode aumentar. Vamos ter uma enxurrada
de pessoas que estavam na saúde complementar e vão para o SUS. Essa migração já
está ocorrendo por conta da crise econômica afirma o médico e deputado Hiran
Golçalves (PP-RR). Por isso precisamos, no ministério, de pessoas que conheçam
o SUS e entendam de gestão de saúde pública.
O
professor do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde
Pública da USP Gonzalo Vecina Neto considera que, a depender do cenário
econômico e da reposta das operadoras, esse número pode continuar crescendo
para até 4 ou 5 milhões de pessoas, especialmente nas regiões Sul e Sudeste,
onde se concentram empresas com estrutura de recursos humanos.
- Não
tenho dúvidas de que teremos um impacto grande. Mas não tem o que fazer, vai
ser assim. As pessoas estão saindo porque não conseguem pagar, a crise pegou
todo mundo. Temos que melhorar o SUS, investir. E mais um fator num sistema que
está estressado pela epidemia, pelas filas que pararam e não foram atendidas.
Vai implicar em mais fila e exigir reestruturação.
Para
o especialista, o primeiro passo seria reestruturar o sistema de agendamentos e
consultas. Isso teria que ser encabeçado por estados e municípios, ao juntar as
filas municipais e estaduais e gerenciar o agendamento para reduzir as faltas.
As taxas de abstenção a consultas, exames e internações, de acordo com Vecina,
chegam a 40%. A confirmação de presença no dia anterior ao atendimento, via SMS
ou WhatsApp, poderia ser uma grande ajuda.
Para
Lígia Bahia, especialista em saúde pública e professora da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), por enquanto o SUS é capaz de absorver os novos
usuários. Caso a tendência de migração continue, porém, o sistema todo sentiria
o impacto:
- O
SUS tem que se preparar. Caso essa tendência se confirme, isso passa a ser um
problema porque o sistema não se expandiu durante a pandemia para atender a
essas pessoas, não houve esse planejamento - diz ela, que critica a posição das
operadoras de planos.
- Por
que as empresas não diminuíram mensalidades? Nós, pesquisadores em saúde,
fizemos um documento propondo que não suspendessem plano de quem ficasse
inadimplente na pandemia e que reduzissem as mensalidades, como várias outras
atividades fizeram, perdoando pagamento em atraso.
'TODOS
TÊM ACESSO'
A
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) afirma, em nota, que 'tem
discutido e implementado medidas para viabilizar o equilíbrio do setor de forma
que todos os atores (beneficiários, prestadores e operadoras) permaneçam no
sistema durante a crise causada pela Covid-19. Num momento totalmente atípico
como o que estamos vivendo, é essencial o engajamento de todos os segmentos
para a mitigação das graves consequências da pandemia, e a reguladora tem
envidado todos os esforços nesse sentido'.
Além
disso, as operadoras buscam, caso a caso, negociar com os contratantes em
situação de adversidade'. Valente diz, no entanto, que 'o setor não
tem condições de suportar propostas que passem pela anistia à
inadimplência', pois são 'responsáveis por cerca de 90% do
faturamento dos hospitais privados e 80% das receitas de laboratório de
medicina diagnostica'.
O Ministério
da Saúde declarou, em nota, que o 'SUS é um dos maiores sistemas de saúde
pública do mundo', com 160 milhões de brasileiros usando exclusivamente o
SUS para ter acesso aos serviços. 'Todos têm direito de acesso aos
serviços de saúde, independente de possuir planos', diz a nota,
'Aqueles que não têm acesso à rede privada poderão recorrer, assim, à rede
pública.'