No Brasil, seguradoras enfrentam raros casos de pedidos por lucro cessante na pandemia
Em entrevista ao Sonho Seguro, a advogada Marcia Cicarelli, do Demarest Advogados, comentou sobre os pedidos de indenização por lucro cessante durante a pandemia. Leia os principais trechos:
Como você ve a definição da Justiça britânica de que os
pagamentos de lucros cessantes devem ser feitos pelas seguradoras aos seus
clientes?
A decisão leva em consideração cláusulas específicas em que
o pagamento de lucros cessantes não está vinculado à exigência de dano material
à propriedade tangível. São as chamadas cláusulas de ocorrência de doença
notificável e/ou de impedimento de acesso por autoridade governamental.
Considerando um contexto novo, de pandemia, o objetivo do julgamento na Justiça
Britânica foi garantir maior certeza sobre a interpretação dessas cláusulas de
maneira coletiva e, portanto, uniforme. Independentemente de concordar ou não
com a decisão, o procedimento adotado foi incrível. A iniciativa do órgão
regulador (FCA) na defesa dos interesses segurados, algo inédito, e o processo
tramitou de forma muito rápida. Em menos de 1 ano, obteve-se uma decisão da
Suprema Corte com uma interpretação para essas cláusulas. Imagine quando
processos judiciais deixarão de ser propostos em razão desse procedimento? A
rapidez e a segurança jurídica obtidas são muito positivas para o mercado,
mesmo que se discorde de alguns pontos da decisão.
Nesses contratos havia cláusula de exclusão de pandemias?
Ou o pagamento deve ser feito apenas nos contratos sem a exclusão?
Não havia exclusão para pandemias. O objetivo do julgamento
foi justamente interpretar essas cláusulas num contexto de pandemia, que
obviamente não era o risco imaginado quando essas cláusulas foram elaboradas.
E no Brasil, como está sendo conduzido este tema?
No Brasil, esse tipo de cláusula é muito rara. Portanto,
são poucas as reclamações de sinistros de lucros cessantes e as que foram
feitas, foram rejeitadas administrativamente de forma sumária, já que não havia
cobertura, quer em razão de exclusão expressa relacionada à pandemia ou de
disposição expressa no sentido de ser necessária uma caracterização do dano
material para acionar a cobertura de lucros cessantes. Já há alguns litígios e
outros devem ser iniciados com reclamações de lucros cessantes decorrentes do
fechamento de empresas em função da pandemia, mas entendo que o número de casos
não deve ser alto.
Os valores a serem pagos, até onde sei irrisórios, devem
ser feito pela preservação da imagem do setor?
Os valores a serem pagos no Reino Unido são altíssimos e
decorrem do julgamento. No Brasil, se não há cobertura, o pagamento não pode,
nem deve ser efetuado. Além de problemas de recuperação de resseguro, a
seguradora poderia enfrentar questionamentos da própria SUSEP.
Os clientes estão acionando as seguradoras?
Conforme acima, por enquanto, tenho notícias de ações
pontuais de clientes. Como houve suspensão de prazos prescricionais, esse
número deve aumentar, mas não acredito que será significativo.
E se as seguradoras pagarem, terão o apoio dos
resseguradoras?
Entendo que não. O pagamento ‘ex gratia’ é sempre excluído
do contrato de resseguro.
Qual seria a melhor saída para esse complexo debate, na sua
opinião?
Diferentemente do Reino Unido, temos poucos casos no Brasil
que ensejariam uma dúvida de interpretação sobre a cobertura de lucros
cessantes. Nesses casos, se houver uma dúvida legítima sobre a existência ou não de cobertura, a seguradora deve regular o sinistro e
apresentar ao segurado sua análise de cobertura. Se não houver consenso, é
possível tentar uma mediação ou conciliação, antes de litigar. O litígio (na
Justiça comum ou arbitragem) é o último recurso, mas pode haver casos em que se mostre inevitável.