Tribunal autoriza plano de saúde a usar prejuízo fiscal em parcelamento federal
Medida vale para o pagamento de débitos inscritos na dívida ativa da União
Valor Econômico - 15 de Janeiro de 2021O Valor Econômico informa que o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, autorizou um plano de saúde a usar no Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), parcelamento federal aberto em 2017, créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL de sua controladora. A medida, não permitida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), vale para o pagamento de débitos inscritos na dívida ativa da União. A decisão pode levar o tema ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), já que há acórdão em sentido contrário no TRF da 4ª Região, que abrange a regão Sul.
Nas
ações, os contribuintes alegam que foram surpreendidos por essa restrição
depois de terem aderido ao Pert - abrindo mão de outros parcelamentos ou de
discutir as cobranças nas esferas administrativa ou judicial. O uso de prejuízo
fiscal e base de cálculo negativa da CSLL de controladora é permitido para o pagamento
de dívidas com a Receita Federal. Para o parcelamento da PGFN, não havia
inicialmente esse detalhamento.
Posteriormente,
porém, depois do prazo de adesão ao Pert, foi publicada pelo órgão a Portaria
nº 1.207/2017, que autoriza apenas a utilização de créditos próprios. O
programa federal foi criado pela Lei nº 13.496, de 2017, para o pagamento de
débitos de natureza tributária e não tributária, vencidos até 30 de abril do
mesmo ano. Admitiu, inclusive, dívidas que já estavam inscritas em parcelamentos
anteriores ou em discussão administrativa ou judicial.
Com a
publicação da norma pela PGFN em dezembro de 2017, a Notre Dame Intermédica
Saúde decidiu ir à Justiça. Entrou com mandado de segurança com pedido de
liminar para conseguir usar créditos de sua controladora, a BCBF Participações.
Subsidiariamente, caso o pedido fosse negado, requereu que fossem anulados os
atos de desistência dos parcelamentos anteriores (processo nº
5003212-25.2018.4.03.6100). A liminar foi negada na primeira instância. A decisão,
porém, foi reformada pela 3ª Turma do TRF da 3ª Região, por três votos a dois.
“Entendo
que, na interpretação da lei, deve-se observar além de sua letra fria, sem se
deixar dominar pela preocupação de restringir, de modo a não se distanciar de
suas finalidades”, afirma na decisão o relator do caso, o desembargador Nery da
Costa Júnior.
De
acordo com o desembargador, para assegurar a máxima efetividade da norma e
tendo em vista a expressa autorização pela Receita Federal, a empresa pode usar
créditos de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa da CSLL de sua
controladora.
Em
seu voto, ele destaca ainda que a PGFN editou a portaria restritiva só depois
do prazo final para adesão ao Pert e extrapolou os limites de sua competência.
“Portaria, como norma inferior, não tem o condão de impor restrições não
previstas em lei, sob pena de ofensa ao princípio da estrita legalidade.”
Em
nota, a PGFN afirma que “já está atuando para a reversão do julgado” e que a
lei não estabeleceu a possibilidade de utilização de créditos de prejuízo
fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL de terceiros. Alega ainda
necessidade de observância do princípio da legalidade estrita, que veda a
concessão de benefício não previsto em lei. O órgão lembra que o STJ e o Supremo
Tribunal Federal (STF) entendem, em inúmeros julgados, pela impossibilidade de
o Poder Judiciário atuar como legislador positivo na concessão de benesses
fiscais. No TRF da 4ª Região, o precedente é nesse sentido (processo nº
5019304-58.2018.4.04.7100). Por causa da divergência entre os tribunais
regionais, tanto a Fazenda Nacional quanto os contribuintes podem recorrer ao
Superior Tribunal de Justiça. A decisão envolve a Sultepa Construções e
Comércio.
Para
a 2ª Turma, a adesão ao programa de parcelamento da PGFN deve observar seu
regramento próprio. “Quando o legislador quis viabilizar a utilização de tais
créditos apurados por empresas do mesmo grupo econômico, o fez expressamente,
apenas para o parcelamento no âmbito da Secretaria da Receita Federal”, afirma
o relator, desembargador Alexandre Rossato da Silva Ávila.
Em
setembro, o ministro Benedito Gonçalves, do STJ, chegou a analisar a portaria
da PGFN e entendeu que a norma não poderia determinar a perda do direito de uso
de prejuízo fiscal ou base negativa da CSLL no caso de informações
extemporâneas (REsp 1891654). O tema não é exatamente o mesmo das ações
julgadas pelos tribunais regionais.
“Mas
a discussão de fundo é a mesma”, diz o advogado Pedro Teixeira de Siqueira
Neto, sócio do escritório Bichara Advogados. “Se o Congresso deu um beneficio
amplo não caberia ao Executivo mitigar”, acrescenta. O uso de prejuízo fiscal
de controladora é importante, segundo o advogado. Em um grupo, afirma, muitas
vezes uma empresa não teve prejuízo fiscal, mas outras tiveram. E em um
conglomerado, acrescenta, lucros e prejuízos são percebidos de forma mais
ampla. “Faz sentido que o prejuízo que uma acumulou no passado seja usado com o
débito de outra do mesmo grupo”, diz.
A
decisão obtida pela Notre Dame é a primeira favorável no TRF da 3ª Região,
segundo Bruno Sigaud, sócio do escritório Sigaud Advogados. Para ele, a lei do
Pert foi omissa quanto ao pagamento no âmbito da PGFN e, portanto, o órgão não
poderia restringir o alcance da norma, prejudicando os contribuintes.
O
prazo para adesão ao Pert já foi encerrado. Por isso, afirma Sigaud, a decisão
é relevante para os contribuintes que aderiram e tiveram esse pedido negado.
“Temos clientes que já receberam despacho com indeferimento por serem créditos
de controlada”, diz.