Jornalista especializada na indústria de seguros brasileira e internacional
Tragédia no RS ressalta a urgência em educação de seguros e mitigação de riscos
Dos 11,4 mil avisos de sinistros em residência, estimados em R$ 240 milhões, cerca de 90% não serão pagos pois a cobertura de alagamento não foi contratada 06 de Junho de 2024A aposta dos principais porta-vozes entrevistados nesta reportagem é que a tragédia do Sul será um divisor de águas no que diz respeito a educação sobre o tema. Dos 11,4 mil avisos de sinistros em residências divulgados pela CNseg, a confederação das seguradoras, estimados em R$ 240 milhões, cerca de 90% não serão pagos pois a cobertura de alagamento não foi contratada. “A maioria das apólices de residências não tem cobertura para alagamento. Quando contratam, são coberturas como vazamentos de tubulações”, explica um corretor.
Em empresas, a situação também mostra a falta de cultura de seguro. A Sedec (Secretaria de Desenvolvimento Econômico) do Rio Grande do Sul informou que 85% das 15,2 mil empresas não tinham seguro, segundo um formulário de dados preenchido entre 15 e 29 de maio. O documento da Sedec servirá para o governo orientar empresários sobre linhas de crédito. As pequenas empresas foram as mais afetadas. Cerca de 36,5% das que preencheram o formulário são microempresas. Outras 26% são MEI (Microempreendedores Individuais) e 23% são companhias de pequeno porte.
Um avaliador de riscos fez um resumo das trocas de mensagens que teve com colegas de profissão. “Conversei com algumas reguladoras, que nos informaram que destes sinistros avisados na carteira residencial, a maioria esmagadora não tem cobertura, mas as companhias abriram o processo, para que as reguladoras possam dar as más notícias aos segurados aos poucos”.
Diversos ramos de seguros são afetados com chuvas no Sul, desde o risco ambiental, que quase ninguém compra, até o seguro celular. Mesmo previdência privada será afetada, com a expectativa de saques nos fundos de aposentadoria para reconstrução do patrimônio perdido. Até as empresas que não foram atingidas pelas águas contabilizam perdas, uma vez que a logística está prejudicada pela falta de infraestrutura das rodovias, dos portos e dos aeroportos, que não permitem que os suprimentos cheguem até as fábricas e que os produtos saiam da linha de produção.
O seguro de riscos de engenharia, em sua grande maioria, cobre o alagamento. “Transporte, garantias e fianças também serão afetados, pois boa parte conta com cobertura para riscos da natureza. O seguro de lucro cessante também está na pauta dos debates das consequências da tragédia do Sul. Até mesmo empresas que não foram afetadas pelas águas, não tem como receber suprimentos e desovar a produção.
Apesar de fazer parte do debate, o seguro ambiental, com tantos químicos despejados na terra, seja gasolina dos carros, óleos, corpos, entulhos entre outros, não preocupa as seguradoras. “A base no Brasil de seguro ambiental é a poluição. No tsunami do Japão o seguro ambiental foi uma das grandes teses do setor de seguros”, lembrou um segurador.
Em 11 de março de 2011, um terremoto seguido de um tsunami destruiu a usina de Fukushima. No desastre que se seguiu, três reatores derreteram e contaminaram a água de resfriamento das estruturas, que, desde então, vem vazando continuamente. O governo enfrenta dificuldades para gerenciar o gigantesco volume de água contaminada acumulada ao longo de 12 anos. “Um desafio, pois mundialmente a capacidade disponível para o segmento é limitada”.
Num momento como este, todos questionam de quem é a culpa. Afinal, todos sabiam dos riscos de alagamento, inundação e enchente no Sul. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), entre 2013 e 2023, os prejuízos econômicos causados por enchentes nos três Estados do Sul chegaram a R$ 19,5 bilhões. No ciclone de julho foram registrados 3.100 sinistros atendidos pelas seguradoras, sobretudo em SC e RS, segundo dados da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg).
Uma parte dos clientes afirma que contratou o que o corretor de seguros recomendou. Outra que não sabia que tinha de contratar, uma vez que comprou o pacote ofertado no site da companhia que vende o seguro. O corretor de seguro é responsável pela oferta ao ciente, que não entende de risco. Boa parte deles afirma que a oferta tem custo elevado e o cliente recusa a cobertura de alagamento para baratear o seguro.
A seguradora afirma que a cobertura está disponível, mas não foi contratada. Por não ter sido contratada, não há o que pagar. Preto no branco. “A boa notícia é que quando o contrato prevê a cobertura, as seguradoras, de uma maneira geral, estão muito ágeis, liberando e pagando super rápido. Esta mensagem posso dar com muita felicidade e tranquilidade. Um golaço do mercado segurador”, citou um corretor do Rio Grande do Sul.
No Brasil, especialmente, existe a cultura dos consumidores é focada no custo e não na proteção. “Quase ninguém entende o que é exatamente o seguro e como funciona essa ferramenta. Entende-se que a seguradora é uma entidade com um papel social e não um mutualismo, e essa cultura vai até o ponto em que o corretor de seguros também, na visão do segurado (até do mercado) tem o papel de gerenciador de riscos do seu cliente, que é um serviço diferente e muito mais amplo do que o de corretagem”, comenta um especialista em seguros.
Segundo ele, entendido que ofertas e escopo de cobertura devem ser apresentados e são deveres dos corretores, fica evidente que a responsabilidade dos segurados, guardadas as proporções de seus portes, é de conhecer seus próprios riscos e aplicar medidas de mitigação, tanto para evitar quanto “sobreviver” a sinistros”, ressalta. Ele lembra que nem tudo é segurável e cabe ao segurado conhecer os riscos e decidir sobre quais está disposto a conviver e quais pretende transferir. “O ponto é que essa falta de entendimento, de educação securitária, nos deixa expostos como sociedade. Temos um longo caminho pela frente para disseminar a cultura de seguro”.
“Uma coisa é o cidadão não dar a mínima, ou simplesmente não contratar seguro, o que infelizmente ainda é uma realidade. Porém, quando o cidadão contrata apólice, mas não elenca coberturas necessárias, ou acaba comprando “gato por lebre”, aí a situação fica complicada em ambas esferas, espirrando tanto na falta de cultura de compra de seguro, como na baixa qualidade da oferta pelos agentes e consultorias. E temos também a falta de entendimento do que se oferta e do que se compra. Este é um debate importante e espero que aconteça de forma mais intensa daqui para frente”, cita um risk manager.
Em sua pesquisa com colegas, 90% dos afetados (ou mais) sequer tinham seguro. Dos outros 10%, 80% não contratavam cobertura de alagamento e, os outros 20%, ou contrataram coberturas bastante restritivas e baseadas em custo e poucos optaram por um contrato equilibrado “Uma leva que comprou a cobertura correta e terá indenização”, cita o gestor de risco de um grande grupo empresarial.
“A percepção de risco de alguns clientes ainda é muito rasa, infelizmente! As corretoras sérias usualmente ofertam as melhores condições aos clientes, mas por custo, não contratam determinada cobertura “pois nunca vai acontecer” ou limitam o valor de cobertura a um valor irrisório”, comenta outro especialista.
“O papel do corretor é sempre levar o melhor custo beneficio e alertar o cliente das suas exposições. Sabemos também que a grande maioria das concorrências é baseada em preço e tocado pelo time de compras sem muito contato com o corretor. Muitas das vezes é difícil conseguir levar uma segunda opção e explicar a necessidade da aquisição da cobertura. Já com as empresas que têm um risk manager a conversa é diferente”, comentou um corretor.
“O mercado americano evoluiu com aprendizado dolorido desde os asbestos, ou até antes no incêndio de Boston. O grande lance é como saímos desta tragédia e qual aprendizado vamos ter. Os fundos e alternativas disponíveis pelo mundo devem, na minha modesta opinião, serem aplicados. Venho falando sobre as necessidades dos municípios brasileiros terem uma proteção de transferência de risco administrativo por entidades privadas e sérias. Claro que com subsídio do governo, como temos em outros segmentos”, citou um segurador.
Os advogados provavelmente trabalharão muito no debate de direitos e deveres. Nos bastidores, desde do ano passado, o Sul era chamado de “Califórnia brasileira”, numa menção de que no estado americano o risco é certo e por isso poucas seguradoras ofertam seguro residencial na região mais exposta aos eventos climáticos.
Questionados se as casas e empresas sem cobertura para alagamento, mas que sofreram saques ou incêndio, com o que aconteceu no último domingo, é possível prever a guerra litigiosa que vem pela frente. “Incêndio não é efeito típico de alagamento nem vice-versa”, respondeu um renomado advogado.
Para auxiliar as pessoas que tiveram perdas desse tipo, o Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS) criou um programa de parceria com entidades estudantis de universidades gaúchas a fim de treinar estudantes de Direito para o atendimento gratuito da população e ajudar a dirimir dúvidas sobre seus seguros contratados.
“Tem muito espaço para advogado ficar rico e cliente ser de alguma forma reparado. Problema é o segurado provar que não conhecia o risco de alagamento. Se provar que não tinha conhecimento de risco de alagamento, tem alguma chance. No entanto, o evento de novembro passado mostrou que o risco era certo. “Espero que as lições apreendidas gerem melhores consciências e proteções a todos no futuro”, finaliza o gestor de risco.