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Combate à fraude pode baixar preço do seguro


Valor Econômico – SP, 05/03/2004 - 18/03/2004

Marcelo Blay
 
O prêmio do seguro - o valor pago pelo segurado no momento da aquisição da apólice - é calculado levando-se em consideração diversos itens, como preço do carro, modelo, região de circulação, perfil dos condutores, despesas comerciais e administrativas e índice de sinistralidade. Este último item refere-se à probabilidade de algum evento (colisão, furto, incêndio) acontecer com o veículo, provocando danos parciais ou totais. Se menos automóveis sofrerem algum dano ou roubo, por exemplo, o valor do prêmio também cairá. É óbvio que este efeito levaria algum tempo para alcançar todos os veículos que possuem seguro, mas um dado pode dar a dimensão do impacto que isso teria no mercado: mais de 70% de todo o valor arrecadado pelas seguradoras, a título de prêmio de seguro automóvel, volta para os consumidores em forma de indenização - tanto para a reparação do veículo (em caso de colisão) quanto para a reposição do bem (quando o carro é roubado ou não pode ser consertado). Essa conta esconde um fato grave e lesivo para quase todo mundo - empresas, segurados e a sociedade. Especialistas do setor de seguros estimam que cerca de 30% dos sinistros de automóvel (colisão, roubo etc) são fraudes - pagamentos de indenizações indevidas. Fraude é qualquer tentativa de recebimento de valor da seguradora que não está previsto no contrato. Ou seja, todo mundo perde, apenas o "esperto" ganha. O índice brasileiro é enorme, desproporcional. Nos EUA a porcentagem de fraudes em seguros de automóvel não ultrapassa o equivalente a 9% da arrecadação do mercado. Engana-se quem imagina que a maior parte dos sinistros fraudulentos é forjada por quadrilhas - como as que roubam carros, fazem "dublês" ou provocam uma batida para acionar o seguro. Os pequenos eventos, como a transferência de responsabilidade por um sinistro, acontecem com maior freqüência e, assim, causam prejuízos maiores. Na maioria das vezes, quando acontece uma colisão, a primeira pergunta que os envolvidos fazem entre si é: "Você tem seguro?" Se um dos dois não tiver, as partes fazem um acordo tácito e acionam a seguradora, mesmo que o titular da apólice não tenha sido o culpado. O brasileiro não entende como fraude atitudes como essa e chama de "jeitinho" a obtenção de algo não previsto contratualmente - não se vê atingido pelo que está no terreno coletivo. A mudança cultural é fundamental para a redução da fraude. O cidadão comum não sabe que aquela "mentirinha" - no exemplo da inversão de responsabilidade - tem impacto direto no preço do seguro para ele e todos os demais segurados. Segundo a Fenaseg (Federação Nacional das Seguradoras, Empresas de Previdência e Capitalização), o índice de pagamentos indevidos nos EUA está na casa dos 9%. Transportando esse percentual para a realidade brasileira, ou seja, para alcançarmos o mesmo patamar americano, seria necessário reduzir 70% da quantidade de fraudes contra as companhias seguradoras. Isso permitiria uma redução drástica no preço médio que o consumidor paga pelas apólices de seguro de automóvel. Tomemos como exemplo o valor do prêmio de seguro de um carro novo, que está em torno de R$ 996,00. Com a redução das fraudes, esse valor poderia cair para R$ 811,52. Isto significa uma queda de 18,6% no preço, uma economia de R$ 185,00 - algo como 77% de um salário mínimo. O que o brasileiro chama de "jeitinho" tem impacto direto no preço do seguro para ele e todos os demais segurados Essa redução no preço permitiria o ingresso de uma enorme massa de novos clientes, que passariam a ter acesso ao seguro. Segundo o Ibope, o Brasil possui cerca de 24 milhões de automóveis em circulação e 8,2 milhões deles estão segurados. Sendo assim, uma redução de 70% na quantidade de fraudes, com a conseqüente queda nos preços, poderia levar à incorporação de 2,5 milhões de veículos - uma ampliação de 34% na frota atualmente segurada, atingindo-se 44% da frota nacional. O impacto do ponto de vista de postos de trabalho no setor seria expressivo: ao todo, poderíamos gerar 29,5 mil novos empregos diretos, num setor que já abriga 173 mil trabalhadores, conforme informações da Fenaseg, Sincor/SP (Sindicato dos Corretores de Seguros, Capitalização e Previdência no Estado de São Paulo) e Sindirepa (Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios do Estado de São Paulo). Os efeitos do possível aumento do número de carros com seguro seriam sentidos em vários setores da economia, além do mercado securitário. Estima-se que para cada 1% de crescimento da frota segurada seja possível gerar 148 novos postos de trabalho em seguradoras e atividades relacionadas (empresas de vistoria, assistência 24 horas etc), 248 postos em corretoras de seguros e 494 em oficinas de reparação de veículos. E este crescimento não pára. Seguradoras, corretores e até o governo também estariam nesta lista de beneficiados. As companhias seguradoras teriam um faturamento adicional de R$ 663 milhões, trazendo para o governo uma arrecadação de R$ 189 milhões em tributos. Aos corretores de seguros, novas comissões seriam pagas, algo em torno de R$ 129 milhões. Para atingir esse objetivo, a Fenaseg está colocando em prática o Plano Integrado de Prevenção e Redução da Fraude em Seguro que contempla 33 ações em diferentes áreas. Muitas dessas ações, porém, dependem da parceria com o poder público. A redução do índice de fraudes só acontecerá por meio de uma ação intensiva e inteligente na investigação da indústria da fraude, com o intercâmbio de informações entre seguradoras e órgãos públicos. É preciso estudar as características das fraudes, a freqüência de atuação e a situação que atrai o fraudador. Seguradoras e autoridades policiais precisam trocar mais informações e experiências, utilizando programas estatísticos para mapear o crime e concentrar os esforços nas áreas de risco. Outro instrumento para reduzir a fraude é a criação de delegacias especializadas no combate à fraude em seguro. Mas não basta somente equipar a força policial: é fundamental treinar os profissionais para que eles compreendam as particularidades do setor de seguros. Enfim, não é possível trabalhar sem uma parceria efetiva com as autoridades, inclusive com o reconhecimento social do policial. Portanto, cabe às seguradoras criar mecanismos de apoio para a polícia. É preciso agir também no terreno legal. Será imprescindível promover uma revisão da legislação para estabelecer punições mais severas para os fraudadores. Por último, caberá às companhias seguradoras realizar campanhas de educação e de conscientização da sociedade, expondo mais o tema e a forma como os cidadãos podem colaborar. É uma ação em que todos ganham: as seguradoras, todos os que atuam no setor, clientes, o poder público e a sociedade em geral. Só os "espertos" e os bandidos perdem.
 
Marcelo Blay é vice-presidente da Itaú Seguros, vice-presidente do Sindicato das Seguradoras de São Paulo e professor das Universidades FIA/FEA/USP e FGV/EAESP.