Extremos climáticos já causaram perdas de R$ 6,6 bilhões ao agro
Segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), número ainda deve crescer porque a seca está em curso
Globo Rural - 26 de Agosto de 2024Extremos climáticos, como as enchentes no Rio Grande do Sul e a seca que castiga a região Norte, já causaram ao menos R$ 6,67 bilhões em prejuízos para o agronegócio brasileiro. Seja por danos estruturais ou por impacto nas atividades agrícolas e na pecuária, a conta é alta e os efeitos ainda devem perdurar.
Além das perdas de vidas, a tragédia das enchentes no Rio
Grande do Sul em abril e maio causou prejuízos de R$ 5,4 bilhões à agricultura
e à pecuária do Estado, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Na região Norte, onde a falta de chuvas reduz o volume d’água em rios antes
caudalosos, os danos à agricultura e à pecuária somam quase R$ 1,3 bilhão,
conforme o CNM. Como a seca persiste, a confederação diz que o montante deve
aumentar à medida que novas informações sejam reportadas pelas cidades.
“Municípios de todo o Brasil estão vivenciando desastres
recorrentes, e a estiagem histórica na região Norte evidencia a urgência de
atuação federativa para enfrentar a emergência climática”, afirma o presidente
da CNM, Paulo Ziulkoski, à Globo Rural.
Na Amazônia, ribeirinhos vêm afirmando que a estação seca
chegou mais cedo este ano, mas na verdade ela sequer foi embora, avalia Ana
Paula Cunha, pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de
Desastres Naturais (Cemaden) . Segundo ela, a seca completou um ano em diversas
regiões do bioma.
“A pobreza aprofunda o impacto da seca no Norte. Os grandes
produtores conseguem passar por isso, mas entre os pequenos muitos não têm
acesso à assistência técnica e energia”, afirma.
Na comunidade Santa Helena do Inglês, em Iranduba (AM), onde
a economia se baseia no cultivo de mandioca e na pesca, o líder Nelson Brito
conta que os ribeirinhos estão trabalhando em reservas de água na tentativa de
se preparar para a período mais crítico da seca, a partir de setembro.
“Por ano, produzimos 1 tonelada de subprodutos de mandioca.
Vendemos a farinha, o tucupi, a goma e a tapioca, e os produtos são todos
feitos na comunidade. Ano passado, com a seca, caiu pela metade a produção de
mandioca e ficou só para autoabastecimento. Não tivemos lucro nenhum, e também
não tinha como transportar até Manaus (AM) pelo rio”, lembra Brito à
reportagem, que esteve na região no início deste mês.
A pesquisadora do Cemaden diz que, nos últimos dez anos, as
secas estão se repetindo em intervalos cada vez mais curtos na Amazônia, no
semi-árido e no Pantanal.
Pantanal
O bioma pantanal é outra região a sofrer com a falta de
chuvas e incêndios. Só o Pantanal do Mato Grosso do Sul já teve 1,2 milhão de
hectares consumidos pelo fogo neste ano, incluindo áreas produtivas de pasto e
infraestruturas. Lá, a seca também afeta as pastagens, o que significa menos
alimento para o gado bovino e menos animais prontos para abate.
O vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Frios,
Carnes e Derivados do Estado (Sicadems), Sergio Capuci, já considera a
possibilidade de redução no número de abates. “Além da seca severa, Mato Grosso
do Sul é o Estado que menos tem animais confinados. Temos vários confinamentos
que não estão com a capacidade total”.
Nesse cenário de escassez de alimento para o gado, vários
produtores estão vendendo fêmeas para abate. “Ainda não sei precisar a dimensão
disso, mas é um dos grandes problemas que temos hoje porque está comprometendo
no médio prazo o rebanho do pantanal”, reconhece o secretário de Meio Ambiente,
Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado, Jaime Verruck.
Segundo ele, o governo estadual pediu à Superintendência de
Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco) a liberação de crédito emergencial
para auxiliar produtores do Pantanal atingidos pela seca. “A proposta que
estamos apresentando inicialmente é de R$ 200 milhões com juros de 6,5% ao ano,
mas ainda precisamos ver qual vai ser a proposta do Mato Grosso, porque será um
auxílio extensivo a todo o bioma pantanal”.
Enchentes
No Rio Grande do Sul, onde os produtores com perdas acima de
30% terão descontos nas dívidas de crédito rural, a Emater/RS estima que 206
mil empreendimentos foram afetados pelas enchentes nas zonas rurais, em 405
municípios.
Entre os mais atingidos está Estrela, município de 32 mil
habitantes às margens do Rio Taquari. Na comunidade de Arroio do Ouro, visitada
pela reportagem em junho, o cenário era de guerra. Montes de lama e areia
cobriram terras que antes eram usadas para lavouras. Casas, galpões e outras
estruturas foram destruídas pela força das águas, que arrastaram animais,
carros e máquinas agrícolas.
O produtor Airton José Dieter e sua esposa, Anastácia, ambos
de 58 anos, tiveram de se refugiar com outros vizinhos no segundo andar de sua
casa. Dieter diz não saber por onde começar a recuperação. Dos 35 hectares
plantados com soja, uma parte teve o solo arrancado. A enchente também matou
todos os seus 50 animais, entre bovinos de corte, de leite e búfalos.
“Terras que custavam de R$ 50 mil a R$ 60 mil o hectare não
valem nada, ninguém vai querer comprar (...). Como buscar apoio para arrumar a
terra e plantar de novo? Não sei o que fazer”, lamenta.
A maior parte da produção de grãos do Rio Grande do Sul já
havia sido colhida quando ocorreram as enchentes. No entanto, na região central
e no sul do Estado, ainda havia lavouras, especialmente de soja, no campo.
Nessas áreas, as perdas foram dramáticas.
Em sua propriedade de 560 hectares em São Sepé, na região
central do Rio Grande do Sul, a produtora Graziele de Camargo estava iniciando
a colheita de soja quando vieram as chuvas, no fim de abril. A área não foi
afetada pelas enchentes, mas as chuvas impossibilitaram o acesso das máquinas
às lavouras. Com excesso de umidade, a soja apodreceu no campo, e 70% da
produção foi perdida.
“Se estou quebrada, com uma dívida de R$ 2 milhões, não foi
por uma incapacidade administrativa. Estou impossibilitada de seguir na
atividade agrícola por causa de uma tragédia climática, que o governo deveria
ter uma solução para mitigar”, reclama.