Indenizações no RS atingem R$ 4 bi e devem crescer
Para seguradoras, total a ser pago tende a se situar abaixo de 10% das perdas totais
Valor Econômico - 28 de Junho de 2024Chuvas torrenciais mantiveram grande parte do Rio Grande do Sul debaixo d'água por mais de um mês e transformaram milhares de pessoas em náufragos de sua própria terra. “As enchentes foram o evento único de maior impacto na história do setor de seguros brasileiro”, afirma o presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), Dyogo Oliveira.
A parcial mais recente de pedidos de indenizações feitos
pelos segurados do Estado até 18 de junho já alcança R$ 3,885 bilhões, de
acordo com dados da CNseg. Os ramos de grandes riscos exibem o maior volume
financeiro de indenizações. As solicitações somam R$ 1,322 bilhão para 599
requisições. O auto fica em segundo com R$ 1,277 bilhão e 19.067 registros,
segundo a entidade.
Oliveira acredita que o montante vai subir nas próximas
semanas. O dirigente, porém, avalia ser impossível estimar o tamanho total das
perdas seguradas uma vez que os prejuízos, principalmente aqueles ligados às
grandes empresas, os chamados grandes riscos, ainda dependem de uma avaliação
mais detalhada de maquinário, estruturas atingidas, estoques, lucro cessante e
outros fatores que só poderão ser conhecidos quando as águas baixarem
completamente.
Apesar de não ser possível calcular com precisão esse
prejuízo, o presidente da confederação ressalta que o montante a ser indenizado
pelo setor tende a se situar abaixo de 10% das perdas totais. “No caso do Rio
Grande do Sul menos de 10% da perda estava segurada e provavelmente vamos ter
um número [final] abaixo de 10% com as estimativas atuais”, afirma.
O CEO da filial brasileira da corretora de resseguros global
Guy Carpenter, Pedro Farme, também calcula um volume potencial de perdas
seguradas na casa dos 10% dos prejuízos totais no Estado. “As primeiras
estimativas sugerem que o nível de cobertura de seguros em relação aos danos
econômicos vai ficar da ordem de 10%.”
As projeções do governo gaúcho indicam prejuízo de R$ 62
bilhões, dos quais R$ 22 bilhões seriam referentes a transações perdidas e
outros R$ R$ 35 a R$ 40 bilhões de estoque de capital, ou seja, de estrutura
produtiva.
Já a Federação das Entidades Empresariais do Rio Grande do
Sul (Federasul) enxerga um número muito maior: R$ 110 bilhões. Se as perdas
seguradas se situarem em torno de 10% do total, o custo final que o setor teria
de arcar pode alcançar entre R$ 6 bilhões e R$ 11 bilhões.
O valor está em linha com os de outros eventos no passado
recente. Na pandemia, por exemplo, a indústria de seguros brasileira registrou
um desembolso de cerca de R$ 7 bilhões. E na seca histórica ocorrida em parte
do Centro-Oeste e na própria região Sul, a conta atingiu R$ 8,8 bilhões. Em
ambas as situações, o setor se mostrou resiliente e capitalizado para absorver
o impacto financeiro. Os números da indústria reforçam a percepção.
Em 2023, sem considerar o segmento de saúde suplementar, o
mercado arrecadou R$ 387,9 bilhões. Apenas o ramo auto registrou receita de R$
56 bilhões. No ano passado, as seguradoras devolveram na forma de indenizações,
benefícios, resgates e sorteios R$ 225,2 bilhões, dos quais R$ 31 bilhões foram
de pagamentos a donos de veículos. “O setor resistiu super bem”, diz o
presidente da CNseg. “As empresas brasileiras estão bem capitalizadas e têm uma
capacidade financeira e operacional bastante fortes. As seguradoras contam com
ativos próprios e com o apoio do sistema de resseguros nacional e internacional
[para repasse de parte dos riscos subscritos].”
Há ainda outro fator que pode ajudar a indústria a absorver
melhor o choque. Na avaliação de Farme, da Guy Carpenter, uma das consequências
da catástrofe climática será o crescimento do interesse por proteção. “Vamos
ter um impacto suavizado porque o retorno dos prejuízos pagos será encurtado
pelo aumento de contratações [de seguros no país]. A gente espera que essa
elevação da demanda reduza o retorno esperado dos prejuízos.”
Dados da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do RS
mostram a baixa penetração do seguro no setor produtivo e, consequentemente, o
potencial de crescimento da demanda. O levantamento preliminar do órgão indica
que 85% das empresas atingidas pelas enchentes não tinham seguro. Sobre a
capacidade de o setor absorver um aumento de procura, Farme vê tanto o mercado
segurador quanto o de resseguros com apetite. “O mercado global de resseguro
está preparado para triplicar o tamanho [de exposição] no mercado de seguros
brasileiro.”
Durante o evento catastrófico, as grandes seguradoras
tiveram uma atuação que costuma passar despercebida, principalmente porque os
grandes números do setor desviam a atenção do lado operacional. As companhias
montaram estruturas em Porto Alegre, que, nos momentos mais críticos atenderam
clientes e não clientes, com centenas de colaboradores.
“Chegamos a quase 200 prestadores, somados aos que já
estavam lá, e agregamos mais de cem veículos entre guinchos, motos aquáticas,
botes motorizados e unidades especiais”, diz o diretor executivo da Porto
Serviço, do grupo Porto, Marcelo Sebastião. “Participei da operação lá em Porto
Alegre e região metropolitana desde a primeira semana”, conta. “A Porto se
colocou à disposição para auxiliar o governo do Estado e a defesa civil para
atender qualquer um, não importa se fosse cliente ou não.”
Sebastião lembra que a ação nos primeiros dez dias se voltou
a resgatar as pessoas ilhadas. “Depois desse período, a gente passou a se
concentrar em levar água e alimentos prontos, porque muitas pessoas não
quiseram sair e precisavam de comida já preparada para se alimentar.”
O relato do diretor da Porto indica a dimensão da
catástrofe. “Nunca vivenciei algo tão impactante. Já passei por muitos eventos
catastróficos, como na serra fluminense, no litoral de São Paulo, no Sul da
Bahia e no Espírito Santo e não lembro de nada parecido em termos de alcance e
duração.”
O CEO da HDI, Eduardo Dal Ri, que também esteve na região
durante os momentos mais difíceis da crise, tem visão semelhante. “Foi o evento
com a maior quantidade de população afetada”, afirma. “No mundo do seguro
nacional não teve nada como esse. Talvez se somássemos as situações dos últimos
20 anos não chegaria nessa catástrofe do Rio Grande do Sul em termos de alcance
e duração.”
O diretor de operações e sinistros da HDI, Marcio Probst,
que coordenou os trabalhos no Sul, recorda que perceberam “logo no início que o
evento teria um impacto muito maior do que estava sendo estimado e logo nos
primeiros dias embarquei para Porto Alegre”. Para o executivo, “naquele momento
a gente sabia que estava começando, mas não tinha ideia de como iria terminar”.
O grupo mobilizou dezenas de guinchos para a região e chegou a contratar
caminhões cegonha para levar os veículos. Também utilizou uma unidade móvel
especial, com geração autônoma de energia, barcos e até drones para monitorar
as áreas afetadas, localizar pessoas e também no processo de pagamento das
indenizações.
No período, por orientação da CNseg, as associadas
estenderam os prazos de vigência das apólices. Muitas seguradoras também
buscaram acelerar o processo de pagamento de indenizações. “Nós conseguimos em
muitos casos fazer os pagamentos em horas ou em até dois dias”, conta Probst.
Conforme o executivo, na verdade, muitos clientes usaram o
dinheiro recebido da cobertura de veículos para resolver os problemas da
família. Dal Ri lembra do caso de um cliente que chegou ao quartel-general do
grupo montado em Porto Alegre e tinha perdido tudo. “Essa pessoa estava no
abrigo e nos disse ‘não tenho mais nada, perdi minha casa, meu carro e preciso
proteger minha família. Quero entrar com pedido de indenização, mas não tenho
nem mais documentos. Nós buscamos simplificar esse processo ao máximo,
solicitamos apenas uma procuração e pagamos a indenização.”
De acordo com Probst, o grupo HDI já pagou cerca de R$ 230
milhões em indenizações referentes ao Rio Grande do Sul. No segmento auto, a
maior parte dos pedidos de abertura de sinistros já foi realizada. “Tivemos 45
dias mais intensos de avisos, mas agora ficou mais residual”, diz.
A Porto também afirma já ver a maior parte das solicitações
referentes ao seguro auto feitas. Segundo Sebastião, da Porto Serviços,
“estamos voltando para patamares normais e 99% de quem tinha de reclamar já o
fez”.
O vice-presidente da regional Sul da Federação Nacional dos
Corretores de Seguros Privados e de Resseguros (Fenacor), Ricardo Pansera,
conta que tanto corretores quanto seguradoras se esforçaram para agilizar ao
máximo o pagamento das coberturas. “Os veículos ainda estavam debaixo d’água e,
muitas vezes, o segurado já estava com o dinheiro na conta.” “O trabalho
humanitário de ajuda do mercado de seguros e a parte solidária das pessoas de
todo o Brasil foi de emocionar. A resposta das seguradoras foi imediata. O
mercado procurou amparar os clientes e corretores e prestou realmente um
serviço social que nos deixa orgulhosos.”