Alta de custo preocupa planos de saúde
Metodologia utilizada no reajuste dos planos está defasada, alegam representantes do setor
Valor Econômico - 31 de Outubro de 2023O setor de saúde suplementar deve mais um ano de resultado negativo. O crescimento da receita e os reajustes autorizados pelo regulador não têm sido suficientes para compensar a alta dos custos com tratamentos de saúde, aliada à maior frequência de uso de planos. A situação mais crítica, segundo associações do setor, ocorre nos produtos de contratação individual/familiar, cujo teto de reajuste neste ano ficou em 9,63%, abaixo do que esperavam. Os planos individuais representam cerca de 20% do total da saúde suplementar, que hoje cobre perto de 50 milhões de vidas.
Uma das críticas do setor é sobre a metodologia que a
Agência Nacional de Saúde (ANS) usa para definir reajustes nas mensalidades.
Para a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa 13
grupos de operadoras, a agência não considera custos relevantes para o setor.
“A sinistralidade das carteiras, a diferença entre modalidades de negócios, a
regionalização de produtos, o fim da limitação de terapias e a velocidade da
incorporação de procedimentos e medicamentos na lista de coberturas
obrigatórias não são considerados”, afirma Vera Valente, diretora-executiva da
federação. “O índice acaba ficando descolado do avanço real de custos
verificado setor.”
Relatório da agência de classificação de risco Fitch Ratings
mostra a deterioração da rentabilidade da indústria de seguros de saúde como u
todo. Embora o volume de prêmios tenha crescido, em média, 10% nos últimos dois
anos, o aumento dos gastos no período foi maior, de 17 o que gerou prejuízo
operacional em 2021 e 2022. O retorno sobre patrimônio líquido médio caiu de
14%, de 2018 a 2020, para 6,6% nos últimos dois anos.
Como reflexo, aponta Valente, houve redução no número de
operadoras e na oferta de produtos. Só em 2022, a operação médico-hospitalar
acumulou um prejuízo de R$ 10,7 bilhões. No primeiro semestre deste ano, o
prejuízo chega a R$ 4,4 bilhões. “O aumento da frequência de uso dos serviços e
no preço de insumos médicos, a obrigatoriedade da oferta de tratamentos cada
vez mais caros, além das fraudes e da judicialização da saúde, deterioram a
situação”, diz.
O posicionamento da Associação Brasileira de Planos de Saúde
(Abramge), com cerca de 140 associadas, vai na mesma direção. O reajuste para
os planos individuais/familiares ficou ligeiramente abaixo da previsão da
entidade, que era de 10% a 12%. Segundo a entidade, o teto reajuste ficou
inferior à variação das despesas identificada pela própria ANS, de 12,69%
(considerando a variação da despesa assistencial, componente base do reajuste).
“A metodologia de reajuste atual não permite a recomposição dos desequilíbrios
acumulados desde que a ANS começou a divulgar o índice máximo a ser aplicado
aos planos individuais, em 2000. Além disso, desconsidera as profundas
diferenças de porte e perfil das cerca de 700 operadoras de planos de saúde do
país”, afirma a associação.
As operadoras menores, de forma geral, são mais vulneráveis.
Nos últimos dez anos, 242 operadoras de planos médico-hospitalares saíram do
mercado; hoje são 678 operadoras, de acordo com a FenaSaúde. Valente defende
que o reajuste deve ser remodelado e baseado na variação de custos de cada
operadora, além de possibilitar a revisão técnica de carteiras em
desequilíbrio. “A FenaSaúde tem alertado sua preocupação com a sustentabilidade
do setor. Os planos respondem por 83% das receitas dos principais hospitais privados
e mais de 88,2% das receitas dos laboratórios”, comenta, destacando o efeito em
toda a cadeia da saúde.
Preocupação semelhante tem o diretor executivo da Associação
Nacional dos Hospitais Privados (Anahp), Antônio Brito. “Estamos diante de uma
crise estrutural do setor como um todo. É um grande equívoco achar que só
hospitais, ou operadoras de saúde, passam dificuldades”, afirma Brito. “Pessoas
contratam os [planos de saúde] mais baratos e reduzem a margem das operadoras,
que tentam transferir parte da conta aos hospitais que, por sua vez, apertam os
fornecedores”, aponta.
Sobre fraudes em procedimentos em clínicas e hospitais, tema
frequentemente destacado pelas seguradoras, Brito considera um erro achar que
esse é o problema central. “A crise não se explica pelas fraudes, é uma crise
multifatorial. Resolvê-la passa pela melhora na atenção primária, com médicos
de família ou clínicos gerais, prevenção, regulação no cesso a exames e
procedimentos e pelo avanço da saúde digital.”
Segundo a Anahp, operadoras levaram 74,48 dias, na média de
janeiro a agosto deste ano, para pagar os hospitais pelos procedimentos
realizados. “A busca por uma solução passa primeiro por um ambiente dentro da
cadeia de confiança em que todos estejam dispostos a ouvir. O setor precisa
melhorar o nível de confiança”, afirma Brito.