Riqueza das famílias brasileiras cresceu abaixo da média dos últimos 10 anos em 2021
Por causa da inflação, a renda disponível deu sinais de enfraquecimento alguns meses antes dos mercados avançados. Ativos de seguros e dos planos de previdência privada também sofreram
Valor Econômico - 17 de Novembro de 2022Os ativos financeiros brutos das famílias brasileiras aumentaram 9,4% em 2021, atingindo 2,6 trilhões de euros, o aumento mais modesto desde a crise financeira e abaixo da média de 15,6% dos últimos dez anos, aponta a 13ª edição do Relatório de Riqueza Global, elaborado pela Allianz. A pesquisa feita em 60 países examina em detalhe a situação dos ativos e das dívidas das famílias.
A razão para o desempenho abaixo do esperado se deve à
inflação. A renda disponível das famílias brasileiras deu sinais de
enfraquecimento alguns meses antes dos mercados avançados. O Banco Central
brasileiro começou a aumentar as taxas de juros em 2021 para conter a alta de
inflação que começou a acelerar primeiro no país em comparação ao mundo
desenvolvido. Como resultado, aponta o relatório, os depósitos cresceram apenas
2,4% no ano passado comparado com a taxa de crescimento anual composto de 10,5%
em dez anos.
Os ativos de seguros e dos planos de previdência privada
também sofreram, com um crescimento de 3,3% contra uma média de longo prazo de
10,6%. Por outro lado, aponta a Allianz, o crescimento dos títulos de dívida
registrou 12,6%. No entanto, o endividamento aumentou 21% no Brasil, o que
significa um ônus de 650 bilhões de euros sobre as famílias. Mesmo assim, a
riqueza líquida das famílias brasileiras cresceu 6%, atingindo 1,9 trilhão de
euros.
Com ativos financeiros líquidos per capita de 8,94 mil
euros, o Brasil caiu um degrau, passando à 40ª posição no ranking dos países
mais ricos, segundo a métrica de ativos financeiros per capita. No cenário
mundial, o relatório mostra que, em 2021, pelo terceiro ano consecutivo, os
ativos financeiros globais tiveram crescimento de dois dígitos, de 10,4%,
atingindo 233 trilhões de euros.
Em 2022, entretanto, os ativos globais recuam nominalmente
mais de 2%. Nos últimos três anos, a riqueza privada deu um aumento
impressionante de 60 trilhões de euros – o que equivale a adicionar duas zonas
do euro ao montante das finanças globais. O principal propulsor do crescimento
foi o boom do mercado de ações, contribuindo com cerca de dois terços do avanço
da riqueza em 2021.
A poupança das famílias registrou redução de cerca de 19% em
2021, com 4,8 trilhões de euros, mas ainda permaneceram 40% acima do nível observado
em 2019. A composição da poupança também mudou, com a participação dos
depósitos bancários caindo para 63,2%, e os títulos de dívida e ações, assim
como os seguros e previdências privadas, ganhando mais relevância entre os
poupadores.
Como reflexo dessa dinâmica, os depósitos bancários mundiais
cresceram apenas 8,6% em 2021, ainda assim o segundo maior aumento já
registrado (após o salto de 12,5% em 2020). Já os ativos de seguros e fundos de
pensão apresentaram uma evolução de 5,7%. Na avaliação da Allianz, “m
retrospectiva, 2021 pode ter sido o último ano de mercados de ações em franca
ascensão, impulsionados pela política monetária”.
O cenário para este ano e os próximos, na avaliação dos
pesquisadores, é mais sombrio. Segundo o relatório, “2022 marca um momento de
virada”. Conforme o documento, “a guerra na Ucrânia sufocou a recuperação
pós-covid-19 e virou o mundo de cabeça para baixo: inflação galopante, escassez
de energia e alimentos e o aperto monetário pressionando economias e mercados”.
Na previsão da Allianz, os ativos financeiros globais deverão recuar mais de 2%
em 2022, na primeira destruição significativa da riqueza financeira desde a
crise financeira em 2008. Em termos reais, as famílias perderão um décimo de
sua riqueza.
Em contraste com a crise de 2008, que foi seguida por uma
retomada relativamente rápida, desta vez as perspectivas no médio prazo também
são bastante desafiadoras: o crescimento nominal médio dos ativos financeiros
deve ficar na casa dos 4,6% até 2025, em comparação com os 10,4% dos três anos
anteriores. A dívida das famílias registrou o aumento mais rápido desde a
grande crise financeira de 2008.
No fim do ano passado, a dívida global das famílias era de
52 trilhões de euros. O aumento anual de 7,6%, superou amplamente a média de
longo prazo de 4,6%, e o crescimento de 2020, primeiro ano da pandemia, de
5,5%. A última vez que se registrou um crescimento acima disso foi em 2006, bem
antes da grande crise financeira global. A alocação geográfica da dívida mudou
desde a última crise.
Enquanto a participação dos mercados avançados segue em
declínio – a participação dos EUA, por exemplo, caiu dez pontos percentuais,
indo para 31% desde a grande crise –, as economias emergentes respondem por uma
parcela cada vez maior da dívida global, principalmente a Ásia (excluindo o
Japão), cuja participação mais do que dobrou na última década, elevando-se a
27,6%. “O aumento acentuado da dívida logo no início de uma recessão global é
preocupante”, disse Patricia Pelayo Romero, coautora do relatório.
“Nos mercados emergentes, a dívida das famílias na última
década aumentou com taxas de crescimento de dois dígitos, o que é mais de cinco
vezes a velocidade observada nas economias avançadas.” Conforme a visão dos
especialistas, “os níveis gerais de endividamento parecem administráveis,
porém, devido aos fortes ventos contrários que esses mercados estão enfrentando
em termos estruturais, há uma ameaça real de uma crise da dívida”.