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Mudança no clima eleva risco dos negócios

Em meio aos riscos climáticos que devem se tornar mais frequentes e extremos, países e empresas em todo o mundo sofrerão suas consequências

Valor Econômico - 06 de Abril de 2022

O clima está em mudança e não há como negar diante de acontecimentos como ondas de calor letais, furacões fora dos trópicos, secas intensas e enchentes. Em meio aos riscos climáticos, que devem se tornar mais frequentes e extremos, países e empresas sofrerão as consequências.

Alguns relatórios recentes mostram que a margem de manobra vem ficando cada dia mais estreita. O mais recente deles, o 6° Relatório do IPCC (Painel sobre Mudança do Clima), divulgado no dia 4, é contundente: para garantir que o aumento da temperatura global fique em 1,5°C neste século - a meta do Acordo de Paris - é preciso que o pico de emissões de gases-estufa aconteça, no máximo, até 2025. 'Sem reduções imediatas e profundas, em todos os setores, será impossível', alertou Jim Skea, um dos presidentes do grupo de trabalho III, responsável pela publicação.

Há pouco mais de um mês, outro relatório do IPCC, do grupo II, já havia alertado que, com extremos climáticos ao mesmo tempo, entre 3,3 bilhões a 3,6 bilhões de pessoas estão vulneráveis a consequências como insegurança alimentar e falta de água, especialmente em regiões menos desenvolvidas, como África, Ásia, América Central e do Sul.

Não apenas as pessoas, mas governos, cidades e empresas serão impactados negativamente.

Leonardo Marques, professor associado na Audencia Business School e professor licenciado do Coppead UFRJ, explica que 'Os principais agentes de transformação não estão fazendo o suficiente', se referindo principalmente aos governos que assinaram um acordo anos atrás para redução das emissões e reforçaram a aliança na Conferência do Clima (COP26), no fim de 2021.

'Os países não estão fazendo o que combinaram e outros estão reticentes em se comprometer com as mudanças necessárias. A mesma coisa, as empresas - muitas estão adiando ao máximo o compromisso com redução de pegada de carbono e mudanças associadas ao impacto climático. A ciência está mostrando isso', diz ao Prática ESG.

Um terceiro estudo, este de um grupo de pesquisadores liderado pelo climatologista britânico Chris Boulton, publicado em março na Nature Climate Change, traz ainda que o ponto de ruptura da Amazônia - o momento em que deixa de ser floresta tropical e passa a ser outro ecossistema (próximo ao Cerrado, mas sua riqueza) está mais perto do que se previa.

Para Viviane Torinelli, professora da Fundação Dom Cabral e cofundadora da associação de finanças sustentáveis Brasfi, a principal mensagem desses relatórios é clara e repetitiva: há evidências da materialização do aumento da temperatura global e é urgente a aplicação de políticas públicas e regulações que tentem brecar o carro em alta velocidade. Ela cita, por exemplo, o impacto que a mudança no clima trará para a disponibilidade e distribuição de água no planeta, insumo básico para negócios e pessoas.

'Pensando no impacto para as empresas, o risco de falta de água é notório. Deveríamos estar discutindo com muito mais propriedade e com o governo, o inventário e controle de recursos. Hoje, por exemplo, pagamos apenas pelo tratamento da água e não pelo seu uso em si. E um agravante é que a água também é a fonte de nossa principal matriz de produção energética. Com risco de falta de água, há risco de aumento no custo da energia também', aponta.

Não é difícil entender como a escassez de água pode afetar os negócios, uma vez que ela é necessária para indústria, agropecuária e serviços. Mas uma consequência extra deve vir à tona: o encarecimento de seu custo, fator que também deve ser considerado.

'Vale ressaltar o impacto no agronegócio, uma vez que mudanças no clima e no regime de chuvas podem afetar a produtividade no campo e trazer, consequentemente, risco de segurança alimentar para as pessoas', lembra Torinelli. Em última instância, o quadro prejudica o crescimento econômico. 'Sem contar', acrescenta a especialista, 'o aumento de endemias e doenças causadas por vetores de transmissão (mosquitos), como zika, chikungunya, dengue, entre outras.'

Carlo Pereira, diretor-executivo do Pacto Global da ONU no Brasil, diz que as empresas precisam entender seus riscos para, então, mudar atitudes. 'Vou ter disrupção na cadeia de matérias-primas por falta de Monções na Índia? Este é um problema real da indústria farmacêutica. Vou ter água daqui há 30 anos no lugar onde quero construir uma nova fábrica? Já há mecanismos de previsão e gestão de recursos hídricos e riscos relacionados a estresse hídrico. O agronegócio está olhando para excesso de chuvas no Sul do país e secas no Norte? A empresa tem que ter clareza dos riscos; foi assim que começamos a discutir a sustentabilidade, com ela entrando pela porta do risco', explica o executivo.

Para ele, não se trata apenas de ser 'net zero' (compensar emissões de gases e efeito estufa) ou desenvolver mercado de carbono para compensação de emissões. Cada setor e empresa terá de mapear a profundidade do seu buraco. 'Existe uma falsa narrativa sobre o mercado de carbono; ele não resolve o problema de empresa nenhuma e nem o problema do aumento da temperatura do planeta. Diria mais: poucas companhias se beneficiam de verdade do mercado de crédito de carbono', segue.

Ele defende que o seja feito um conjunto de ações ao mesmo tempo, que inclui a compensação de carbono - instrumento que tem seu mérito, mas sozinho não vai ser suficiente. Mapear os pontos fracos é o primeiro passo.

O próprio relatório do IPCC desta semana explica que é preciso uma redução na emissão de gases-estufa de 43% até 2030 e, em paralelo, um esforço para diminuir as emissões de metano em um terço. 'Mesmo que façamos isso, é praticamente inevitável que iremos exceder, temporariamente, o limite da temperatura, mas podemos voltar a ele no fim do século', diz a nota enviada à imprensa.

Marques, do Coppead UFRJ, comenta que o grande problema é que as metas de restrição de carbono anunciadas pelas empresas se limitam, muitas vezes, aos escopos 1 e 2 de emissões, ou seja, da pegada da própria empresa e da sua fonte energética. 'Fica faltando o escopo 3, a pegada da cadeia de suprimentos, responsável por boa parte das emissões', diz.

'Pensar em sua marca, o que tem nas próprias instalações é uma coisa, mas o que toda a cadeia dessa companhia está fazendo e sua pegada de carbono, é muito maior. As empresas não estão nem reportando nem controlando essas metas para que esta cadeia como um todo caminhe na direção da redução das emissões. A cadeia de suprimento é o calcanhar de Aquiles da avaliação de sustentabilidade das empresas', diz.