Problemas climáticos se aprofundam e desafiam seguro rural
Número de avisos de sinistros disparou nas duas últimas semanas de dezembro. Segmento defende medidas para garantir estabilidade e mitigação de riscos
Valor Econômico - 19 de Janeiro de 2022O número de avisos de sinistros de seguro rural recebidos pelas seguradoras nas duas últimas semanas de dezembro foi de 10 mil, superando todos os comunicados registrados entre janeiro e novembro de 2021. Com a seca que prejudica soja e milho na região Sul, o valor das perdas em análise ultrapassou R$ 600 milhões na quinzena.
Mais de 80 mil apólices foram comercializadas para esses
grãos nesta safra 2021/22, o que mostra que o cenário, que já era difícil
sobretudo por causa da quebra da safrinha de milho na temporada 2020/21 e dos
efeitos de estiagem, geadas e granizo em cafezais de Minas e São Paulo,
tornou-se ainda mais complicado.
Em meados do ano passado, a sinistralidade do seguro rural
chegou, em geral, a 200% - no caso do café, o índice superou 300%. No total, as
indenizações superaram R$ 4 bilhões de janeiro a novembro - em todo o ano
anterior, foram R$ 2,5 bilhões. “A perda foi maior que a contratação. No geral,
para cada real contratado de seguro, foram indenizados R$ 2 ou mais. Houve
perdas bastante grandes nas seguradoras”, diz Joaquim Neto, presidente da
Comissão de Seguro Rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg).
Na Newe Seguros, uma das maiores no segmento, 100% das 8,5
mil apólices de seguro rural do inverno passado foram acionadas, e grande parte
delas gerou sinistros de mais de R$ 500 mil. “Foi catastrófico”, afirma o
vice-presidente da empresa, Rodrigo Motroni. “Foi uma operação de guerra.
Tivemos que dobrar o número de peritos para atender aos chamados”.
Diante do movimento de dezembro, a atual safra de verão
caminha no mesmo sentido. Até o momento, foram mais de 6 mil acionamentos na
Newe, principalmente no Paraná e no Rio Grande do Sul. “Ajustes terão que
acontecer ou o mercado não ficará de pé”, alerta Motroni. A expectativa é que
os preços dos prêmios aumentem de 10% a 25% já para o seguro do plantio de
inverno deste ciclo 2021/22. Os níveis de cobertura segurados nas apólices de produtividade
devem cair entre 5% a 15%, projeta Motroni, e algumas regiões podem sofrer restrições.
Para o executivo, o mercado mostra “resiliência” ao bancar indenizações
bilionárias, mas é preciso novas diretrizes governamentais para diversificar o
risco.
De forma geral, especialistas dizem que falta conhecimento
do público sobre o seguro rural e mais espaço para atuação em regiões com menor
vulnerabilidade climática, como o Centro-Oeste, o que pode equilibrar um pouco
mais as contas. Uma ideia recorrente é vincular a obrigatoriedade de
contratação de seguro para os empréstimos feitos com subsídios do governo,
independentemente da região.
De janeiro a novembro do ano passado, quando as indenizações
foram de R$ 4,1 bilhões, o valor arrecadado com prêmios cresceu 42% em relação
a igual período de 2020, para R$ 4,7 bilhões.
“O custo do seguro este ano, com certeza, será maior que o
de 2021. As seguradoras estão pagando muita indenização e o mercado vai
precificar esse risco”, diz Pedro Loyola, diretor do Departamento de Gestão de
Riscos do Ministério da Agricultura. O preço final da apólice depende de
variáveis como o custo de produção e o valor das commodities, mas a taxa média
subiu para 7,6% no ano passado, após duas quedas consecutivas em 2019 e 2020.
As taxas do seguro rural variam de 3% a 15%. As 15 seguradoras que atuam no
ramo no Brasil garantem cobertura contra 14 eventos climáticos diferentes.
O segmento continua a defender medidas estruturais para
assegurar estabilidade para a política de mitigação de riscos, como a criação
do Fundo de Amparo ao Sistema de Seguro Rural (FASSR), para garantir recursos
em casos de catástrofes climáticas no campo. Demanda antiga, a pauta segue
entre as prioridades do Ministério da Agricultura, mas com poucos sinais de que
será atendida em tempo de aperto fiscal.
O FASSR substituiria o Fundo de Estabilidade do Seguro Rural
(FERS), que ficou caro e caiu em desuso. “Não temos um fundo para catástrofes
climáticas. Quando elas ocorrem, seguradoras e resseguradoras arcam com um
grande prejuízo e as regiões de maior risco acabam sendo menos atendidas nos
anos seguintes”, afirma Loyola.
Para corrigir o problema, diz, é preciso dar uma garantia
extra a seguradoras e resseguradoras para momentos de crise e não deixar os
produtores rurais desassistidos. “Tem que haver uma supra garantia, que seria
oferecida por fundos, para momentos em que ocorrem grandes problemas que levam
a uma sinistralidade elevada”.
O Congresso aprovou, em 2010, uma lei complementar que cria
o Fundo de Catástrofe, mas a medida nunca foi regulamentada. Na época,
estimava-se que o fundo teria que ter cerca de R$ 4 bilhões.