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Artigo: Custo econômico da pandemia no Brasil

Francisco Galiza propõe a discussão de uma metodologia para medir "o que nós pagamos e ainda pagaremos por toda essa tragédia"

Rating de Seguros - 17 de Agosto de 2021

Por Francisco Galiza, consultor econômico do Sindseg SP

O objetivo desse texto é discutir uma metodologia para medir o custo econômico resultante dos efeitos da pandemia na sociedade, pelo menos até esse momento. Ou seja, o custo que nós pagamos e ainda pagaremos por toda essa tragédia. Para isso, tomou-se como referência principal um estudo recente feito nos EUA, fazendo em seguida as analogias necessárias para o Brasil. O estudo “The COVID-19 Pandemic and the $16 Trillion Virus”[1] faz tal estimativa para os EUA. A previsão naquele país é que o custo econômico total da pandemia será de astronômicos US$ 16 trilhões.

        É interessante observar os números e critérios utilizados nesse trabalho. O texto separa esses custos em dois grandes grupos. Primeiro, o custo econômico direto, as perdas mais claras e de fácil observação. Desemprego, perdas de renda, baixo consumo, falências, endividamento público e privado, todos são fatores relevantes usados nesse cálculo. O quanto que as pessoas e o governo americano gastaram para que se pudesse sobreviver – pessoalmente e economicamente - durante a fase mais crítica da pandemia. Segundo um estudo citado[2] no texto original, desenvolvido agora pelo Congresso Americano, a perda econômica com essas medidas seria de U$ 7,6 trilhões, com efeitos distribuídos ao longo da próxima década (2021 a 2030).

        O segundo grupo de custos corresponde ao custo que afeta diretamente as pessoas na área médica e em perdas de vida, sendo assim dividido em três partes. Primeiro, as perdas na sociedade pelas mortes das pessoas. Aqui, nessa medição, se usa o conceito “Valor Estatístico da Vida (VEV)”[3] [4], metodologia bastante usada em economia. Esse número se refere ao valor de quanto uma sociedade ou individuo deveria estar disposto a gastar para prevenir uma morte ou salvar uma vida.

        No estudo citado, nos EUA, se considera como sendo o valor médio de US$ 7 milhões (106 vezes o PIB per capta daquele país) por cada vida perdida. Há vários estudos ilustrativos em que tal cálculo é feito, conforme citado nas referências. Aqui, o texto americano usa o valor médio de US$ 7 milhões por cada vida.

        Em um cálculo estatístico aproximado, se considera também como “regra de bolso” o valor de 100 vezes o PIB per capta de um país, quando se quer avaliar o valor de uma vida estatística naquela região. Assim, considerando um total de 625 mil mortes nos EUA como resultantes da pandemia, e fazendo a multiplicação pelo valor de cada vida, teríamos naquele país uma perda de US$ 4,3 trilhões. Ou seja, a economia e as pessoas ficaram mais pobres com o falecimento das pessoas, muitas delas em idade produtiva ou com um grande potencial de retorno para a sociedade.

        O segundo custo seria daquelas pessoas que irão sobreviver, mas permanecerão com sequelas após a pandemia. O cálculo agora é mais complexo, pois envolve hipóteses médicas. Primeiro, os custos derivados de problemas físicos, como problemas cardíacos e pulmonares, os mais comuns nesse caso. Para tal raciocínio, a conta que é feita é a seguinte. Na média, se observou que, das pessoas que tiveram doenças graves, 1/3 delas terão sequelas permanentes. Uma outra relação encontrada é que há sete vezes doentes graves para cada morte. Ou seja, feitas as contas, aproximadamente, haverá duas pessoas com sequelas graves para cada morte (o produto de 7 x 1/3). Assim, para cada 625 mil mortes nos EUA, haveria, em termos médios, 1,46 milhão de pessoas com sequelas.

        Ainda nessa linha, outra conta que é feita é avaliar o grau dessa sequela. Por exemplo, no caso de uma doença pulmonar obstrutiva crônica moderada, doença citada no texto original como uma das mais comuns nesse caso, a perda de utilidade é estimada como sendo de 25% a 35%. Isso vai levar a uma redução total na expectativa de vida das pessoas e também na sua qualidade. As pessoas viverão menos e pior. Assim, o cálculo que é feito leva em conta tal aspecto. Uma diminuição no valor da vida, a perda de utilidade e o aumento da quantidade de vidas com sequelas. Após as contas, chegamos a uma perda de, aproximadamente, US$ 2,6 trilhões.

        A última conta é a perda por problemas mentais. Nesse caso, o texto cita inúmeros fatores que influenciaram negativamente as pessoas, como a perda de vidas entre amigos, crises de ansiedade por pegar o vírus, isolamento, preocupação com a segurança econômica, etc. Segundo o texto, 40% dos adultos norte-americanos relatavam sintomas de depressão ou ansiedade no meio de 2020, contra 11% em 2019. Essa diferença de 30%, causada diretamente pela pandemia, resultaria em aumento de 80 milhões de indivíduos com problemas mentais. Em termos simplificados, o texto considera como hipótese um gasto de US$ 20 mil por pessoa por ano, as perdas chegariam a US$ 1,6 trilhão.

        Somando todos esses fatores (7,6+4,3+2,6+1,6), encontramos US$ 16 trilhões citados no título do artigo. Com uma população de 328 milhões, para uma família média de 4 pessoas, haveria 82 milhões de famílias, com um custo total de US$ 200 mil por família. Aproximadamente metade desse valor é a renda perdida com a recessão induzida pelo COVID-19; o restante são os efeitos econômicos das mortes e de uma vida mais curta e menos saudável.

        O texto original cita mais números para mostrar o tamanho de tal tragédia. A produção perdida na Grande Recessão foi apenas um quarto maior do que o valor perdido na pandemia. A perda econômica é mais do que o dobro do gasto monetário total em todas as guerras que os EUA travaram desde 11 de setembro de 2001, incluindo as do Afeganistão, Iraque e Síria. Por outra métrica, esse custo é aproximadamente a estimativa de danos (como a diminuição da produtividade agrícola e eventos climáticos severos mais frequentes) de 50 anos de mudança climática. Esses US$ 16 trilhões correspondem a 75% do PIB daquele país. Enfim, são números elencados no texto de referência.

        Vamos agora levar em conta os números brasileiros, usando um raciocínio análogo, com alguns ajustes. Inicialmente, os efeitos econômicos diretos. Nesse cálculo, usaremos dois critérios, de uma forma mais simplificada do que foi feito no estudo americano.

        Um primeiro efeito econômico medido foi a evolução de crescimento do PIB no gráfico 1. Observa-se que houve uma queda de 4% no PIB em 2020, pelo efeito direto da pandemia. Para 2021, a previsão nesse momento é de um crescimento de 5,3%. Ou seja, nos dois anos em questão, teremos um crescimento acumulado positivo de 1%. Antes da pandemia, o Brasil vinha crescendo a uma taxa média de 1,5% ao ano (média de 2017 a 2019), o que resultaria 3% em dois anos. Em 2022, nesse momento, as previsões indicam uma volta à normalidade.

        Isto é, podemos dizer que o Brasil perdeu 2 pontos percentuais de crescimento de PIB pela pandemia, nesses dois anos mais intensos (2019 e 2020), caso o país tivesse mantido a taxa original. Em vez de 3%, crescemos 1%. O PIB do Brasil em 2020 foi de R$ 7,4 trilhões. Assim, o valor de 2% corresponderia a aproximadamente R$ 150 bilhões. Essa seria a perda derivada da queda de crescimento econômico.

Gráfico 1 – Evolução do PIB - Brasil


       

Essa pequena perda no PIB – podia ser muito pior, diante das circunstâncias - só foi conquistada pelo aumento do endividamento da sociedade, sobretudo no setor público. De forma extremamente acertada, o Estado ofereceu benefícios para quem não podia trabalhar, sem falar da própria diminuição dos tributos com a crise econômica provocada pela pandemia.

        A dívida pública chegou, ao final de 2020, em R$ 5 trilhões. Antes da pandemia, a previsão era chegarmos ao valor de R$ 4,75 trilhões[5]. Ou seja, uma diferença a mais de R$ 250 bilhões. A pandemia provocou esse déficit a maior.

        Para 2021, a situação ainda está indefinida. Há fatores que ainda pressionam a dívida, como a pandemia continuada, mas em nível bem menor, já aparentemente terminando (aqui, entra um pouco de torcida também). Por outro lado, o país está crescendo, ou, pelo menos, se recuperando do efeito maior da crise. Assim, vamos considerar, por essas hipóteses, que a pandemia não tenha efeito significativo na dívida pública em 2021. Ou, se tiver, o efeito vai ser bem menor do que ano anterior. Uma hipótese simplificadora, sem dúvida, até pelo fato de não termos mais dados, pois a indefinição é grande. É importante considerar também que o setor privado não diminuiu tanto a poupança pela pandemia, tal como aconteceu no setor público em 2020.[6] Houve um efeito compensatório, as pessoas ganharam menos, mas acabaram não gastando tanto, diminuindo o seu nível de consumo.

        Agora, vamos às contas nas áreas individuais, das pessoas mesmo. Obviamente, já houve e há o aumento das despesas médicas de imediato, no curto prazo, como registram as estatísticas do SUS. [7] Mas as coisas são continuadas, mais complexas e mais difíceis. Assim, vamos seguir um raciocínio análogo ao estudo da economia americana, citado anteriormente.

        Nesse momento, o país caminha para as 600 mil mortes pela pandemia. Esse será o número de nossa referência. Pode ser um pouco mais ou um pouco menos, mas tudo leva a crer que o número ficará em torno disso, salvo o aparecimento de alguma nova variante. Por esse fato, é estimado também que o Brasil já perderá dois anos na sua expectativa média de vida, além de haver uma queda na qualidade de vida e no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).[8]

        No Brasil, existem várias abordagens sobre o valor de uma vida, dentro do conceito de “Valor Econômico de uma Vida”. Se levarmos em conta a relação simplificadora de “100 vezes o PIB per capta”, chegamos a um valor próximo de R$ 3,5 milhões por cada vida perdida no país. Por outro lado, existem cálculos bem mais sofisticados, que levam em conta a profissão e o gênero, resultando em números que variam entre R$ 3 milhões e R$ 5 milhões, em valores de 2020.[9] Já outros textos, em dados de 2017, indicam um número entre R$ 2 milhões e R$ 4 milhões.[10] Em um texto também de há quatro anos, o valor estimado médio é de R$ 3 milhões. [11] Em um texto de 2015, avaliando o valor estimado de uma vida resultando da perda de acidente de acidentes de trânsito, o valor estimado foi de R$ 2 milhões, com variações relevantes, dependendo da região do país.

        Ressalte-se, porém, que esse critério é variado e não é plenamente uniforme, mesmo em termos jurídicos. Por exemplo, em um caso de morte dentro de escola, já se fixou a indenização em 300 salários mínimos. Em outro exemplo, no caso de morte de um diretor de presídio, o Estado foi condenado a indenizar a família em 1.300 salários mínimos. [12] Ou seja, no máximo, um valor em torno de R$ 1,5 milhão a R$ 2 milhões. Há questionamentos nas referências teóricas citadas do motivo de a vida no Brasil valer tão pouco, mesmo quando o valor é comparado a outros países em desenvolvimento. [13]

        Em função dos dados observados, escolheu-se o valor de R$ 3,5 milhões (aproximadamente 700 mil dólares, na cotação atual do câmbio), para cada vida perdida no país. Como comparação, isso representa 10% do valor usado nos EUA, no texto original da referência. Fazendo então o cálculo da perda total, o Brasil terá sofrido, somente pelas mortes com a pandemia, o montante de R$ 2.100 bilhões.

        Em termos de danos físicos permanentes, usa-se o raciocínio análogo ao texto já citado. Haverá aproximadamente o dobro de pessoas com invalidez permanente, quando comparado ao número de mortes causadas pela pandemia, com uma perda de utilidade nessas pessoas de 25% com relação à condição inicial. Com isso, chegamos a uma perda financeira de mais R$ 1.225 bilhões.

        O problema mental existe também no Brasil[14], causado pela pandemia, mas fica difícil medir o seu efeito. Nos EUA, segundo o estudo de referência, a população com algum problema mental passou de 10% a 40%, como resultado direto da pandemia. Caso aplicássemos tal proporção ao Brasil, essa diferença resultaria em mais 66 milhões de pessoas (30% x 220 milhões) com algum tipo de problema mensal. Talvez muita gente, 40%? Por exemplo, em outros levantamentos feitos especificamente no país, o valor estimado de problemas mentais é bem menor, de 20%.[15]

        É importante registrar que esses “problemas mentais” podem ser registrados também de forma indireta, em um sentido amplo, como o aumento de consumo de drogas lícitas (cigarros, bebida) e remédios em automedicação[16]. Isso não apareceria diretamente nas estatísticas oficiais relativas a tal tópico.

        E qual seria esse custo médio? Difícil responder. Nos EUA, no estudo de referência, foi estimado o valor de US$ 20 mil por pessoa, de gasto a mais. No Brasil, temos o SUS (e outros serviços gratuitos de saúde), além da nossa renda ser bem menor (só lembrando, o PIB per capta no Brasil é 8 a 9 vezes menor do que nos EUA).

        Em função do observado, consideraremos que o aumento ocorreu em 20% da população (mais 45 milhões de pessoas), com um aumento de gastos – derivados de problemas mentais - de R$ 500 ao ano. Valores bem, mas bem mais modestos que nos EUA. Com essas hipóteses, isso resultou em mais R$ 22 bilhões nos gastos. Ou seja, uns US$ 4 bilhões, distantes dos US$ 1.600 bilhões estimados para os EUA.

        Assim, na tabela 1, temos o resumo com o custo econômico da pandemia no Brasil, com um total estimado de quase R$ 3,8 trilhões, a partir das cinco parcelas calculadas anteriormente: Queda do PIB, Endividamento, Mortes, Sequelas Físicas e Problemas Mentais. Ao final, isso resulta e, aproximadamente 50% do PIB do país. Só para lembrar, nos EUA, no artigo original, o valor foi 75% do PIB daquele país.

Tabela 1 – Custo Econômico da Pandemia – Brasil – R$ bilhões

Fatores

Valores

%

Queda do PIB

150

4%

Dívida Pública

250

7%

Mortes

2.100

56%

Danos Físicos

1.225

33%

Danos Mentais

22

1%

Total

3.747

100%

 

        Esse artigo ressalta que é importante observar que o custo econômico com a pandemia não pode ser medido apenas pela perda do PIB ou o aumento de endividamento. Não podemos nos iludir com esse número. Isso só representa 10% do problema. Tal como um iceberg em que só vemos o que está na superfície, 90% do gelo está debaixo d’água. A analogia é imediata.

        Na análise do custo econômico, o mais importante é a perda de vidas e também de qualidade de vida dos que sobreviveram[17]. Somente esses dois fatores representam 90% do montante total das perdas econômicas no Brasil. Ressaltamos que esse é o preço econômico de toda essa tragédia, a mensuração prática dos valores. Não estamos falando, naturalmente, do “preço afetivo” sofrido pela sociedade.

        O poeta e pastor inglês John Donne viveu do século 16 para o século 17. Era prática comum os sinos tocarem quando alguém morria. A partir daí, surgiu abaixo o texto genial, mostrando a ligação de todos:

          “Nenhum homem é uma ilha, inteiramente isolado, todo homem é um pedaço de um continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntai: Por quem os sinos dobram; eles dobram por vós.”[18]

        A morte dessas 600 mil pessoas teve efeitos profundos na economia brasileira, mais do que aparentemente podemos imaginar.