Comissão de juristas elabora proposta para a LGPD penal
O Valor Econômico relata que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) entra em vigor nos próximos dias já com previsão de um anteprojeto para ampliar a abrangência do texto. Uma comissão de juristas deverá submeter ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), uma minuta de lei sobre o tratamento de dados pessoais para segurança pública, defesa nacional e investigação de infrações penais. O artigo 4º da LGPD veda a aplicação da norma para estas situações.
Presidida
pelo ministro Nefi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
especialista em direito processual penal, a comissão conta também com um time de
especialistas em LGPD, direito processual e direito penal. Criada no ano
passado, a comissão interrompeu seus trabalhos por meses em razão da pandemia,
mas eles já foram retomados e a previsão é de entrega do anteprojeto em
novembro.
O
julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que mandou o Google fornecer
a lista de usuários que pesquisaram combinações de palavras relacionadas à
vereadora Marielle Franco na semana anterior ao seu assassinato, em março de
2018, reacendeu os debates sobre o assunto. Indicado pela Câmara dos Deputados
ao Conselho Nacional de Proteção de Dados e um dos membros da comissão que
elabora o anteprojeto da LGPD penal, Danilo Doneda destaca que o Ministério
Público terá mais fundamento para o trabalho que realiza na esfera criminal com
a nova lei.
“Não
se trata de pedir autorização do investigado para investigar, mas da
necessidade da proteção de dados nas investigações criminais e medidas de
segurança pública para colocar balizas para quem vai apurar os fatos”, diz.
Além
disso, de acordo com o especialista, a nova proposta responderá às demandas
atuais. “Provavelmente, o uso do reconhecimento facial para segurança pública é
um dos temas que devem entrar no anteprojeto, por exemplo. A utilização de
técnicas de investigação de acesso a dados por órgãos de inteligência também”,
afirma.
Segundo
Doneda, a ideia básica do anteprojeto da LGPD penal é que toda exceção relativa
a dados, ainda que razoável, só se justificaria se for necessária para fins da
investigação, não podendo ser desproporcional - o que seria criar um problema
maior do que o que se tem para resolver. “Interesse público não pode justificar
qualquer coisa. Deve ser incentivado que se busque meios alternativos de
investigação e que se use o mínimo de dados possível, restritos às pessoas
envolvidas e relevantes para o caso. Também pode ser necessária uma ordem
judicial para o acesso a determinados dados”, diz o especialista.
De
acordo com Vladimir Aras, procurador regional da República especialista em
crime organizado, que também faz parte do comitê de juristas, um dos riscos de
dados tratados indevidamente pelo Judiciário, polícia e MP é a possibilidade de
serem usados por criminosos em represálias a colaboradores.
“A
LGPD penal poderá criminalizar algumas condutas de violação de deveres de
tratamento de dados para fortalecer o direito dos cidadãos cujos dados estejam
tramitando na esfera da Justiça ou na esfera privada.” O procurador lembra que
as normas de proteção de dados pessoais europeias (GDPR) também foram aprovadas
em separado, pela Diretiva nº 680, de 2016, para abranger questões penais.
“Hoje, o Brasil tem leis esparsas, como a Lei de Interceptação Telefônica [Lei
9296/96], mas não uma disciplina uniforme de prática processual e forense”,
diz.
Um
importante reflexo da criação de uma LGPD para a esfera criminal, segundo Aras,
recairá sobre como será a cooperação de outros países com o Brasil nas
investigações globais. “Poderemos aprofundar nossa relação com a Europol, a
Interpol e o FBI. Hoje precisamos de autorizações caso a caso porque não
demonstramos ter um regime seguro para receber dados de outros países
relacionados a crimes como narcotráfico, financiamento de terrorismo, fraudes
financeiras”, afirma o procurador.
Outro
integrante do comitê de juristas, o advogado criminalista Davi Tangerino lembra
que recentemente o STJ, ao discutir sobre acesso a WhatsApp de preso, decidiu
que seria necessária ordem judicial, por ser equivalente a uma quebra para
interceptação telefônica (HC 537.274). “Mas, no Brasil, a cultura de vazar
dados sigilosos é imensa e nunca vi responsável pelo vazamento ser
responsabilizado”, diz.
Para
Tangerino, a pena do Código Penal para o crime de violação de sigilo - por
advogado, psicólogo, médico - não é alta (detenção, de 6 meses a 2 anos, ou
multa, se o fato não constitui crime mais grave) e, embora a Lei de Crimes
Financeiros (nº 7.492, de 1986) imponha pena mais grave para violação de
sigilo, a aplicação é rara (reclusão, de 1 a 4 anos, e multa).
Além
disso, cada Estado tem uma regra um pouco diferente sobre a exigência de
antecedentes criminais a trabalhadores. “Mas, em vários, se houver ação
judicial em curso, mesmo sem condenação já aparece o nome do réu e qualquer um
descobre se alguém está sendo investigado, o que me parece uma publicidade
indevida de dado sensível de alguém que não foi julgado”, diz o especialista em
direito penal.
No
momento, a comissão de juristas está debruçada tentando equacionar quais
princípios devem reger esse tipo de dado. “A ideia principal é deixar mais
claro quais os direitos e deveres dos donos e detentores desses dados relativos
a infrações penais, segurança pública e defesa nacional, sejam eles entes
públicos ou privados”, afirma Tangerino.