Artigo: Previdência privada: um bem maior
Qualquer participante ou assistido deve ter acesso ao portfólio de investimentos da entidade
O Estado de S. Paulo - 27 de Agosto de 2024Por Wagner Balera, advogado e professor. Autor de mais de 30 livros em Direito Previdenciário e sócio titular do Balera, Berbel e Mitne Advogados
A Previdência Social é oferecida a todos os trabalhadores
que, compulsoriamente, devem aderir ao sistema estatal. Se os cadastros
funcionassem, como é evidente, inexistiria mercado informal de trabalho que,
segundo a abalizada opinião de um especialista, já representa quarenta por
cento da força de trabalho. A adesão a previdência privada deve ser sempre,
facultativa.
O plano privado, onde for instituído, há de ser oferecido a
todos os empregados. Eis a exigência de equidade a ser adequada a cada grupo
protegido. O esforço financeiro que um plano privado exige de quem se disponha
a sustentá-lo é, igualmente, natural que certos traços característicos da
relação de trabalho ganhem relevância. Assim, pode ser que a mesma remuneração,
tempo equivalente de vinculação trabalhista com a instituidora, funções
ocupadas ao longo da vida funcional, entre outras de igual relevância, em
termos de Previdência Privada, mereçam consideração e qualificação.
Certa disparidade de tratamento é permitida. Porém, a
desproporção infundada seria ilegal. Inadmissível seria a criação de grupo
seleto de pessoas a quem sejam concedidos todos os privilégios, enquanto os
demais ficam à mercê de riscos bem maiores
O plano deve ser oferecido a todos. Isto não significa que
deva ter idêntica configuração relativamente a todos os participantes. Dentro
do plano, os participantes terão tratamentos proporcionais aos seus cargos (que
influenciam no padrão de vida), ao tempo de vinculação com o Instituidor, à
responsabilidade assumida perante aquele, entre outras.
Tal como ocorre no regime do INSS quem ganha mais paga mais,
no sentido de manutenção do padrão de vida, na Previdência Privada se observa a
proporcionalidade entre os rendimentos mensais e as contribuições vertidas para
o fundo comum. A diferenciação dos empregados dentro do plano deve refletir o
cargo do profissional, sua remuneração, o tempo de vinculação com a
Instituidora, isto é, o seu status profissional.
Dentro do Plano de Previdência Privada pode haver
diferenciação entre empregados, pautada na manutenção de padrão de vida na
inatividade ou velhice. Há aqueles que auferem maiores ganhos e há quem
contribua com importâncias mais elevadas. O universo do seguro trabalha com
certa categoria de pensamento: a manutenção atuarial, porque o prêmio a ser
vertido deve, sempre e sempre, ser capaz de proporcionara cobertura contratada.
É o que, em nosso direito, diz a Constituição, com a seguinte expressão: observados
os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
Para tanto, os planos privados de previdência devem valer-se
de tábuas de mortalidade que, infelizmente, restaram abandonadas no plano
oficial. As tábuas permitem antever (previdência) o equilíbrio do plano, a
partir da técnica atuarial. Ora, se houver exposição dos investimentos a níveis
muito elevados de risco, o resultado do plano pode ficar comprometido. Eis onde
entra, ou melhor, deveria entrar, em cena o órgão regulador e fiscalizador. A
esse órgão incumbe verificar se a política de investimentos corresponde ao
perfil de risco da comunidade protegida. E, se forem necessários ajustes –
sempre no superior interesse da proteção social dos beneficiários – cumpre
exigir que sejam efetuados a tempo e a hora.
Há um atributo óbvio, verdadeira garantia normativa em nosso
modelo normativo, que é o da transparência. Qualquer participante ou assistido
deve ter acesso, em linguagem inteligível ao homem comum, ao portfólio de
investimentos da entidade. Elementar decorrência do princípio da transparência
que, aliás, quando aplicável a entidades constituídas pelas empresas estatais,
encontra sustentáculo na exigência constitucional da publicidade, pois tudo em
que o Estado, direta ou indiretamente, se acha presente, é posto sob a égide da
res publica.
Tudo o que se disse até aqui é, pouco mais ou menos, mero
discurso acaciano. Ocorre que se percebe certo movimento sutil para o que
grosseiramente tem recebido a nomenclatura de “flexibilização” dos
investimentos.
Muito cuidado com isso.