Por que o ITCMD não deve incidir sobre VGBL e PGBL?
"Proposta em discussão na Câmara prejudica milhões de famílias e pode desencorajar formação de poupança de longo prazo", escreve o presidente da FenaPrevi
Folha de S.Paulo - 23 de Agosto de 2024Por que o ITCMD não deve incidir sobre VGBL e PGBL?
Por Edson Franco, presidente da Federação Nacional de
Previdência e Vida (FenaPrevi)
O Brasil dispõe de um sofisticado e moderno sistema de proteção privada de longo prazo, formado por planos comercializados por Seguradoras —PGBL e VGBL (de natureza securitária)— e planos fechados oferecidos por empresas públicas e privadas. Diferentes modalidades com distintos mecanismos de tributação, tendo em comum o papel de proteção financeira da renda de aposentadoria dos trabalhadores e o enfrentamento dos desafios sociais e econômicos do país, especialmente em momentos de doença, desemprego ou morte prematura.
Um exemplo disso foi o montante de R$ 139 bilhões em
resgates parciais (quando não há o cancelamento do plano), pagos pelas
seguradoras durante a pandemia de Covid.
Atualmente mais de 15 milhões de famílias estão protegidas
por esse sistema, sendo grande parte da classe média: 41% dos planos
comercializados por seguradoras são de participantes da classe C, amparando 4,5
milhões de famílias (dados obtidos a partir da pesquisa Datafolha/Fenaprevi de
2023).
Os planos e seguros de proteção financeira da renda de
aposentadoria são produtos aspiracionais para trabalhadores formais, informais
e profissionais autônomos, e é natural que cada vez mais pessoas tenham esse
desejo, especialmente em função do acelerado processo de envelhecimento da
população que o Brasil está vivendo.
O Censo de 2022 revelou que esse processo de envelhecimento
está mais acelerado do que o previsto, resultado da redução da taxa de
natalidade de 6,3 filhos por mulher na década de 1960 para 1,58; expectativa de
vida de 52,3 anos ao nascer para 75,4; e população acima de 60 anos saltando de
5% para 15% do total. Em 2036 a quantidade de pessoas acima de 64 anos irá
superar a de pessoas abaixo dos 15 anos.
Esse cenário revela a fragilidade do pacto intergeracional,
no qual se baseia o sistema público de previdência, onde os jovens pagam pelo
benefício social dos idosos. Estudo recente do Ipea revelou que em 2022 havia
61,8 milhões de contribuintes para 31,4 milhões de beneficiários. Em 2060 serão
57,8 milhões de contribuintes para 66,4 milhões de beneficiários. Isso
significa que cada trabalhador formal teria que financiar a aposentadoria de
mais de um aposentado!
O atual modelo, insustentável, da previdência pública, torna
inevitável que a saída para evitar um grave problema social passe,
necessariamente, pelas soluções privadas de proteção à renda de aposentadoria.
Deveríamos, portanto, estar pensando em incentivos para
aumentar a conscientização e estimular a formação de reservas previdenciárias e
securitárias de longo prazo. No entanto, na contramão de todo esse esforço há
uma visão arrecadatória, que pretende cobrar ITCMD exatamente sobre os produtos
dessa natureza, penalizando um comportamento de responsabilidade financeira que
deveria ser incentivado. Cabe ressaltar que esses recursos não são isentos de
Imposto de Renda, que é recolhido, de acordo com as características de cada
produto, no momento do pagamento das rendas e dos resgates.
Conforme amplamente noticiado pela imprensa, o texto do PLP
108/24 foi apresentado ao Congresso após a correção de rota feita pelo
presidente Lula, que retirou a menção à incidência de ITCMD sobre os planos e
seguros de proteção financeira à renda de aposentadoria.
No entanto, o texto base aprovado pela Câmara dos Deputados
sujeita esses produtos à incidência de ITCMD, em dispositivos ambíguos, que não
consideram as questões acima mencionadas, produzem impacto nos direitos dos
clientes, gerando disputas jurídicas e inibindo o uso do instituto da
portabilidade, com consequente limitação do processo concorrencial entre as
seguradoras.
O texto prevê incidência de ITCMD nas contribuições com
prazo inferior a cinco anos, contados da data de cada aporte. Esse mecanismo
não considera a tendência de os aportes acelerarem à medida que o participante
se aproxima da época da aposentadoria, quando normalmente dispõe de maior
capacidade de poupança e está mais consciente da importância dessa reserva.
Desincentivar o aporte de recursos para aumentar sua reserva
e obter um valor mais adequado de renda complementar de aposentadoria é uma
iniciativa contrária aos interesses do consumidor. E, pior ainda, no caso de
morte prematura, momento de grave vulnerabilidade emocional e financeira,
reduzirá substancialmente os valores destinados à proteção da renda de sua
família e, até mesmo, para as despesas necessárias à abertura do inventário.
É incontestável que essa proposta prejudicará as cerca de 15
milhões de famílias que já têm produtos voltados à proteção da renda de
aposentadoria e pode ainda ter o indesejável efeito de desencorajar milhões de
outras a aderirem ao melhor sistema de formação de poupança de longo prazo
disponível no mercado.
Além disso, com esse dispositivo, o texto base do PLP 108
interfere nas relações contratuais vigentes, criando um ambiente de insegurança
jurídica e falta de previsibilidade, o que pode afetar o ritmo de formação de
poupança de longo prazo e do financiamento do endividamento futuro do governo
federal: o estoque de ativos desses planos é atualmente responsável por
financiar cerca de 23% da dívida pública.
Confiamos que o processo democrático promoverá o necessário
debate no Congresso Nacional que leve aos ajustes necessários no PLP 108
—reconhecendo o papel relevante dos planos de natureza previdenciária na
complementação do sistema de proteção social do país—, retirando desses
produtos a incidência do ITCMD, e reforçando que eles devem ser encorajados e
não penalizados com mais um imposto.