Seguro rural evitou prejuízos bilionários nos últimos três anos
“Se não fosse o seguro rural, 80% dos produtores do Sul estavam quebrados. Nessa última safra, a perda foi muito grande, mas recebi todas as indenizações”, diz produtor do Paraná
Gazeta do Povo - 21 de Novembro de 2022Chuva, granizo, veranicos, estiagem prolongada. Nos últimos três anos, em que pese novos recordes da agricultura brasileira, várias regiões do país sofreram com eventos climáticos severos e frustração das colheitas. O caso mais crítico, e recente, foi a seca que afligiu os estados do Sul e o Mato Grosso do Sul na última safra de verão. Perderam-se 22 milhões de toneladas na colheita de soja do país em relação ao potencial produtivo estimado, que era próximo de 145 milhões de toneladas. No Rio Grande do Sul a quebra chegou a 50%.
Como as intempéries ocorrem de forma desigual e assimétrica,
houve produtores que pouco perderam, e houve aqueles que só se salvaram por
causa do seguro. Um dos que se encontraram nesta última situação foi Manoel
Simões Júnior, que planta grãos no Norte do Paraná e no Mato Grosso do Sul.
“Se não fosse o seguro rural, 80% dos produtores do Sul
estavam quebrados. Nessa última safra, a perda foi muito grande, mas recebi
todas as indenizações”, destaca Júnior. Ele não precisou acionar o seguro nas
plantações de Sertaneja (PR), onde o volume colhido ficou no limite do gatilho
da apólice. Já em Eldorado (MS), a colheita de soja foi desastrosa (10,7 sacas
por hectare), e o seguro indenizou a diferença de 24,7 sacas até a
produtividade garantida pela apólice, de 35,5 sacas/ha. A média de todas as
lavouras de soja no país foi de 50 sacas/ha.
Seguradoras já indenizaram R$ 9 bilhões em 2022
Em outros anos, em momentos de frustração de safra as
dívidas levavam a maioria dos produtores a fazer fila à porta do governo,
pedindo renegociação e prazo. O apoio estratégico do governo segue fundamental,
mas o quadro mudou significativamente desde 2018. Nos últimos dois anos, grande
parte do prejuízo vem sendo liquidado pelas seguradoras privadas, que nunca
tiveram tantas áreas seguradas no país. Por outro lado, nunca as seguradoras
tiveram também que pagar indenizações tão elevadas como em 2022, devido à
estiagem prolongada. Somente até setembro deste ano, as seguradoras já haviam
pago R$ 9 bilhões em indenizações, contra R$ 5 bilhões em todo 2021 e R$ 2,5
bilhões em 2020.
A explosão do valor das indenizações acaba por destacar o
“timing” correto do governo ao aumentar a subvenção do seguro rural e atrair
mais seguradoras para o segmento (de 11 para 16). Em 2018, foram aplicados R$
367 milhões em subvenção ao prêmio, valor que saltou para R$ 1,1 bilhão em
2021. Isso elevou o número de apólices para 217 mil em 2021, contra 63 mil em
2018. Há quatro anos havia 4,6 milhões de hectares e R$ 12,5 bilhões em
capitais segurados; em 2021, a área total segurada triplicou, chegando a 13,6
milhões de hectares e o valor protegido quase quintuplicou, atingindo R$ 68,2
bilhões.
Limite é de R$ 120 mil por CPF
Com maior aporte às subvenções, o MAPA conseguiu trazer para
o guarda-chuva do seguro uma legião de produtores que antes ficavam
“descobertos” devido aos custos proibitivos ou desencorajadores das apólices.
Para agilizar a liquidação das apólices, o número de peritos que avaliam as
perdas passou de 700 para 1.600. Atualmente a subvenção cobre de 20% a 40% do
custo do seguro rural, com limite de R$ 120 mil por CPF - podendo se dividir entre
grupos de atividades, como grãos, frutas, florestas e pecuária. Se o produtor
tiver um contrato vigente no programa ABC, de agricultura de baixo carbono, o
percentual da subvenção se eleva para 25% na soja e 45% nas demais atividades.
Para evitar que os produtores corram riscos desnecessários,
e disseminar a cultura da contratação de seguro no país, o Ministério da
Agricultura (MAPA) criou um aplicativo com as épocas certas de plantio por
cultura, município e tipo de solo - ou seja, são os dados do Zoneamento
Agrícola de Risco Climático (Zarc) na palma da mão. Outro aplicativo, o PSR -
Programa de Seguro Rural - concentra explicações sobre as diferentes apólices e
coberturas, e mostra quais seguradoras atuam em cada município, para que o
produtor possa simular uma contratação.
Ficou mais difícil cobrir a mesma área com seguro
No momento, o esforço do MAPA é conseguir R$ 200 milhões de
recursos suplementares para a subvenção do seguro rural deste ano, o que
elevaria o montante de R$ 948 milhões para R$ 1,148 bilhão. Mesmo se isso
ocorrer, a área segurada poderá chegar apenas a 7,8 milhões de hectares, bem
aquém da cobertura do ano passado (13,6 milhões de hectares). A explicação está
na valorização das commodities como milho e soja, aumento dos custos de
produção, elevação dos riscos climáticos e dos preços das apólices. “É só
imaginar como se fosse um carro. O que valia 100 hoje está valendo 200. O valor
segurado dobrou em dois anos e as seguradoras, por conta da alta
sinistralidade, ajustaram a taxa que é cobrada do produtor. O prêmio cheio, sem
subvenção, chegou a aumentar 30% em determinadas culturas”, observa Pedro
Loyola, ex-diretor do Departamento de Gestão de Riscos do Ministério da
Agricultura.
Além de o seguro ter ficado mais caro (acompanhando a
valorização dos grãos e o aumento dos riscos), a produtividade mínima
indenizada por área diminuiu em muitas regiões. Isso acendeu um alerta entre os
produtores, diz Manoel Júnior. “Antes nós tínhamos uma cobertura de 37 sacas de
soja por hectare e hoje estão falando de 25 sacas. No milho, estão contratando
o seguro com indenização de 37 sacas por hectare. Então, tenho amigos que dizem
que não vão fazer, que não compensa, porque qualquer milho dá 37 sacas. Para
tirar o prejuízo do ano passado, as seguradoras jogaram lá embaixo a cobertura.
Não estou querendo dizer que o seguro é ruim, é muito bom. Mas isso é uma coisa
que precisa melhorar”, enfatiza o produtor.
A explicação para uma cobertura menor do seguro está
relacionada ao indicador utilizado para o cálculo, que é a média de
produtividade para das últimas três safras, conforme os levantamentos do IBGE.
O Rio Grande do Sul, por exemplo, emplacou sucessivas quebras de safras, no
milho de inverno e na soja de verão. Com isso, a produtividade mínima garantida
nas apólices foi lá para baixo.
Melhor apoiar seguro do que renegociar dívidas, diz Mapa
Para 2023, a previsão na Lei Orçamentária é de alocação de
R$ 1,1 bilhão para subvenção ao seguro. A bancada da agropecuária no Congresso
articula emendas parlamentares para elevar esse montante para R$ 2 bilhões, o
que poderia ajudar a colocar no seguro cerca de 15 a 16 milhões de hectares de
lavouras, contra uma área plantada total de 73,8 milhões de hectares.
Em nota, o Ministério da Agricultura reconheceu que o
aumento nos preços das commodities tem impactado diretamente no valor final do
seguro contratado pelo produtor, visto que o cálculo do prêmio acompanha o
preço da lavoura segurada. Daí a necessidade de se aumentar também o valor da
subvenção federal. “Com a proteção do seguro, o produtor se mantém capitalizado
em caso de quebra de safra e não precisa recorrer a refinanciamentos para
quitar suas obrigações financeiras. Sob a ótica do setor público, é menos
oneroso apoiar a contratação do seguro rural do que refinanciar dívidas de
produtores, pois além de ser uma conta mais elevada, as renegociações são
imprevisíveis, trazendo um risco fiscal significativo para o governo”, diz o
Ministério.
Costuma-se dizer que a agricultura é uma fábrica a céu
aberto. Mais do que expressar poesia, o ditado resume as incertezas e riscos
que cada produtor assume ao investir dinheiro, máquinas e insumos numa
empreitada que, a depender de condições climáticas, tanto pode dar lucro como
pode acarretar em pesados prejuízos. Atenuar essas imprevisibilidades pode
significar uma boa noite de sono, como sublinha o produtor Manoel Simões
Júnior: “a gente tem que entender que o seguro não é para ganhar dinheiro, é
para salvar o produtor nesses momentos”.