Governo sanciona lei que obriga planos de saúde a cobrirem tratamentos fora do rol da ANS
O presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou nesta quarta-feira (21) o projeto de lei que obriga os planos de saúde a arcar com tratamentos que não estejam na lista de referência básica da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
A proposta coloca fim ao chamado rol taxativo da ANS. E
restabelece, assim, o rol exemplificativo e determina que a lista com a relação
de procedimentos da agência serve apenas como referência para os planos de
saúde —e não significa que os itens que constam no documento são os únicos que
devem ser cobertos.
Por isso, os beneficiários dos planos poderão requerer a cobertura
dos tratamentos que não estejam na lista. É necessário apenas que haja
comprovação científica ou que o tratamento seja reconhecido por alguma agência
estrangeira.
O Congresso Nacional concluiu no fim de agosto a tramitação
do projeto de lei que colocou fim ao rol taxativo da ANS. A iniciativa
legislativa veio como resposta à decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça),
que determinou que os planos de saúde não seriam obrigados a cobrir tratamentos
fora da lista da agência.
O setor de saúde suplementar já esperava a sanção do
presidente, já que avaliava que se tratava de uma decisão política e que
eventual veto causaria grande destaque a duas semanas das eleições. Nas últimas
semanas, o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) já vinha afirmando a interlocutores
que não recomendaria o veto ao chefe do Executivo.
A posição representa uma mudança de postura do titular da
pasta. Em sessão de debates no Senado, antes da votação, Queiroga havia
criticado o projeto, argumentando que a aprovação teria um grande impacto no
setor.
'Planos individuais praticamente não se oferecem mais,
planos coletivos, por adesão. Então, na hora de se optar por ter mais
procedimentos, mais medicamentos no rol, seguramente vêm atrelados custos que
serão repassados para os beneficiários. E parte deles não terá condições de
arcar com esses custos. Essa é a realidade,' afirmou o ministro.
'Para mim era muito mais fácil chegar aqui e defender
um rol exemplificativo e amplo, mas incumbe ao ministro da Saúde alertar os
senhores senadores, que vão analisar essa proposta, sobre quais são as maneiras
mais adequadas para prover saúde não só como um direito de todos e um dever do
Estado, mas também no âmbito dos planos de saúde privados', completou.
Queiroga ainda havia questionado o fato de que muitos
medicamentos apontados como novidade 'não servem nem para jogar no
lixo'.
O projeto também altera a lei que trata de planos de saúde
—a Lei de Planos— para determinar que as operadoras sejam submetidas ao Código
de Defesa do Consumidor, o que não acontece hoje.
A Secretaria Geral da Presidência não informou se houve
vetos à proposta, até a publicação dessa reportagem. O ato deve ser publicado
no Diário Oficial da União.
Crítica ferrenha do rol exemplificativo, a Abramge
(Associação Brasileira de Planos de Saúde) afirma que a lei pode levar o setor
ao colapso e lamenta 'a falta de um debate técnico mais aprofundado'.
'[A lei] obriga os planos de saúde a cobrirem terapias,
procedimentos e medicamentos que não foram incorporados em nenhum país do
mundo, o que trará sérios riscos à segurança dos pacientes e pode levar o setor
de saúde brasileiro, privado e público, a um colapso sistêmico', diz a
nota enviada pela entidade.
'Da forma como foi aprovada a lei, os planos de saúde
no Brasil terão que fornecer ou cobrir terapias, procedimentos e medicamentos
sem qualquer comprovação de segurança na sua utilização; e que não foram
incorporados em nenhum país do mundo —o que deixará brasileiros expostos a
sérios riscos de segurança social', acrescenta a Abramge. 'Corremos o
risco de que medicamentos e outras tecnologias sejam testados pela primeira vez
nos beneficiários de planos de saúde.'
A FenaSaúde ( Federação Nacional de Saúde Suplementar)
também lamenta que a lista da ANS seja classificada como rol exemplificativo e
diz que avalia recorrer à Justiça.
'A mudança coloca o Brasil na contramão das melhores
práticas mundiais de avaliação de incorporação de medicamentos e procedimentos
em saúde, dificulta a adequada precificação dos planos e compromete a
previsibilidade de despesas assistenciais, podendo ocasionar alta nos preços
das mensalidades e expulsão em massa dos beneficiários da saúde
suplementar', diz a FenaSaúde, em nota.
Presidente da Comissão de Direito Médico e de Saúde da
OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Juliana Peneda Hasse Tompson de Godoy
afirma que, em um primeiro momento, é possível que haja um aumento da
judicialização.
'Importante ressaltar que, muito embora tal fato
signifique uma vitória para os milhões de beneficiários de planos de saúde no
país, é necessário observarmos os impactos decorrentes dessa modificação legislativa,
levando em consideração a capacidade financeira das operadoras de planos de
saúde e o mutualismo inerente aos contratos de assistência médica', disse
a presidente.