“Área de seguros está conseguindo dar cobertura”, diz Bruno Garfinkel
Presidente do Conselho de administração da Porto Seguro conta como a empresa e todo o setor se adaptam às incertezas - e custos - criados pela pandemia
O Estado de S. Paulo - 28 de Julho de 2021Como toda grande seguradora, a Porto Seguro – uma das
maiores do País – se pôs a refazer as contas tão logo começou a pandemia. Era
preciso saber o tamanho do estrago para os clientes, o encolhimento do mercado,
do faturamento, a nova rotina dos trabalhos. A conclusão? “No geral, as
empresas estão conseguindo dar cobertura aos clientes”, resume o executivo
Bruno Garfinkel, que preside desde 2019 o conselho de administração do grupo.
Mas não está fácil. Por exemplo: ao contratar um seguro de vida, a seguradora agora “tem de
colocar uma carência de 30 dias para os casos de morte por covid”. Isso para
prevenir seguros contratados para um cliente que pode estar com o vírus numa
UTI.
Administrador pelo Mackenzie, com MBA na Boston University,
Garfinkel atua no universo de seguros desde os anos 90, quando fez um estágio
numa resseguradora em Londres. Nos últimos tempos, já presidindo o conselho de
administração, onde substituiu seu pai, ele leva adiante um processo de
diversificação e adaptação aos novos tempos. “A Porto é muito mais que uma
seguradora”, resume nesta conversa com Cenários. Inclui 2,5 milhões de clientes
de seu cartão de crédito, 300 mil inscritos no Repara Casa, novas turmas de
marketing digital e de estratégia de vendas. Seu olhar para o futuro junta
cautela e esperança: “Tem de apertar o cinto e trabalhar com otimismo”. A
seguir, trechos da conversa.
Alguém criou, no Brasil ou lá fora, um seguro pandemia,
ou seguro contra a covid-19?
Ouço essa pergunta a toda hora. As seguradoras,
historicamente, tentam se proteger das catástrofes cujo risco não se consegue
calcular. Um asteroide caindo no planeta, um vulcão em erupção, terremoto... No
caso da covid, a CNseg, que é a confederação
das seguradoras, fez um esforço e todo mundo no setor foi aderindo à
cobertura, especialmente na apólice de vida. E tem o seguro saúde, no geral as
empresas estão dando essa cobertura. Então, no Brasil acho que a gente está
coberto.
E a Porto, especificamente, como se adaptou a esse novo
cenário?
A pandemia trouxe muitos desafios. Num primeiro momento, era
preciso saber qual a gravidade, a
exposição ao risco, o faturamento, a postura dos clientes. A primeira coisa que
foi muito legal foi que conseguimos, em 15 dias, implementar um modelo de home
office em larga escala. Tínhamos uma operação com mil pessoas trabalhando em
casa e, nesses 15 dias, fomos para 9 mil. Conseguimos implantar uma contenção
de despesas. E criamos um projeto social, o Meu Porto Seguro, abrindo 10 mil
vagas temporárias para gerar renda e educar pessoas sobre seguros.
No novo cenário, o seguro de vida aumentou muito?
Sim, aumentou. Agora, a seguradora também tem de se
proteger. Por exemplo, quando as pessoas vão contratar, hoje, você tem de
colocar uma carência de 30 dias para covid. Senão, você imagina, a pessoa dá
entrada no hospital com o vírus e faz um seguro de vida... É antiético, e dá um
prejuízo danado para a empresa. Mas, respeitado isso, a gente teve um aumento
na demanda do seguro de vida e no seguro residencial – até porque as pessoas
estão mais em casa. E o seguro do automóvel perdeu um pouco da relevância.
E como ficou essa outra zona de perigo, os lucros
cessantes das empresas?
No caso de lucros cessantes, tem de contratar, há um preço a
pagar por essa cobertura para quem teve de suspender as atividades. O que é que
está previsto? Lucros cessantes por um incêndio, um problema com o imóvel. Nunca
ninguém pensou, é claro, no que estamos vivendo hoje. Não é questão de vida, é
de garantia de lucros futuros, aí tem de prever esse detalhe.
Mas com lucro cessante todo mundo parou de faturar.
Imagino que seria um seguro contra qualquer coisa que parasse a produção, não?
Perfeito. Muitos empresários agora estão buscando essa
cobertura. Existe a possibilidade, mas até agora ninguém contratou, isso não
era esperado nem por cliente nem por empresa.
Você mencionou projetos sociais e vagas temporárias. Pode
detalhar?
Fizemos um programa temporário, de julho de 2020 a março de
2021. Os contratos eram de cerca de três meses, com remuneração de R$ 1,5 mil.
O foco era educar as pessoas e fazer uma disseminação sobre a cultura do
seguro. Estamos colhendo os frutos.
Onde essas pessoas foram ou vão ser alocadas?
Elas acabam adquirindo competências de marketing digital,
estratégias de venda, muitas são parte do nosso banco de dados, também para
indicar a corretores de seguros que querem ampliar a equipe. Foi tudo remoto.
Seleção, contratação, treinamento. É um movimento de relacionamento, e a
energia que isso trouxe para a empresa foi muito grande.
Que outras iniciativas vocês tiveram?
Fizemos uma parceria
que nos deixou orgulhosos, com a Pet Love, onde criamos uma junção do
seguro de cachorros e gatos.
Como isso funciona?
É como um seguro saúde para pessoas, só que para o seu pet.
Vai no veterinário, tem vacinas, tudo coberto, até no caso de o bichinho
morrer. Na verdade, muitas pessoas compram pet e não sabem quanto custa manter.
Não tem falcatrua? Do tipo: o sujeito compra um gato, faz
seguro de vida e daí a três meses ele morre?
Não, porque não é um seguro de indenização de vida, é ligado
a doenças. Por enquanto, só para cães e gatos. Mas esse é um ecossistema. Ou
seja, o cliente pode sair de um seguro de cães e gatos e se tornar cliente de
cartão de crédito da Porto, da conta digital, que está no forno, do seguro de
vida. Em suma, o que estamos fazendo é criar novos ecossistemas. Semana passada
aumentamos nossa parte no ecossistema de mobilidade. Compramos 50% da
ConectCar.
Nesse replanejamento pós-pandemia, como ficam os
investimentos, a alocação de recursos?
A gente aumentou. Chegamos à conclusão de que a Porto Seguro
é muito mais que uma seguradora. Ela tem uma vertical de serviços onde vendemos
serviços de residência, desentupimento, eletricista, chaveiro, movimentar sofás
de lugar, rede de Wi-Fi.
Tem uma empresa para isso?
Tínhamos esses benefícios na apólice de seguros. O que a
gente percebeu? Que os clientes vão tomando conhecimento dos serviços e ficam
mais apegados a eles do que à proteção de risco. Assim, nasceu o Repara Casa,
um sistema de assinaturas, com um ticket muito baixo, R$ 19,90. É um projeto
antigo que ganhou tração ao surgir a pandemia.
A gente imagina uma empresa de seguros como uma coisa
sisuda, mas vejo que elas nada têm de conservadora. Como atuar sem certeza do
que virá?
O seguro sempre existiu, mas estava restrito às classes A e
B, pois você precisava ter algum bem para fazer o seguro. O que estamos
rebalizando na companhia é dar acesso às pessoas a serviços na parte
financeira, consórcio, financiamento de carros, cartão de crédito, seguro
aluguel, que é finança locatícia, área de saúde. Enfim, estamos mudando nosso
jeito de pensar. A ação começa a ser mais digital, tecnológica. Estamos fazendo
investimentos pesados para montar time, implantar tecnologia de ponta, campanha
de marketing. O cartão de crédito atingiu 2,5 milhões de clientes. Na área de
serviços, o Repara Casa tem mais de 300 mil assinantes.
A legislação de seguros permite toda essa abertura?
A Porto está regulada por tudo que é coisa. Tem a Agência
Nacional de Saúde, por um lado, a Superintendência de Seguros Privados, de
outro, o Banco Central na parte financeira, o Reclame Aqui. O nosso trabalho é
o de nos adaptarmos. Mas se a regra for igual para todo mundo, e justa, aí vai
da competência de cada um fazer o que pode.