Prestadores de serviços testam novos modelos de remuneração na saúde
Novas estratégias de cuidados e formas de remuneração estão
na mira da saúde. O sistema atual de pagamentos por procedimento (conhecido
como fee for service) valoriza a doença, enquanto o orçamento global, com meta
ou limite de gastos conforme encontrado na saúde pública, tem a desvantagem de
limitar os cuidados. A ideia de premiar a saúde, focando em medidas de
prevenção, parece tão simples quanto revolucionária e começa a ser adotada de
forma crescente, inclusive no Brasil.
A sócia da KPMG, Sheila Mittelstaedt, observa maior
interesse de fontes pagadoras nos pagamento atrelados a desfecho clínico, ou
seja, quando o paciente tem alta e um determinado prazo para não retorno ao
hospital. Um dos desafios deste modelo é poder contar com os dados dos
pacientes integrados numa base única, que está em curso com a criação de
plataforma digital pelo SUS para unificar informações de saúde de pacientes das
redes públicas e privada, prevista no projeto de lei 3814/2020 recém-aprovado
no Senado.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) criou grupo
técnico para avaliar o tema e selecionou para monitoramento 13 iniciativas de
12 operadoras. “Em 2019, na saúde suplementar, só 1,31% dos valores pagos aos
prestadores de serviços usaram modelos alternativos ao fee for service”, diz o
diretor de desenvolvimento setorial substituto, César Serra.
Das experiências realizadas, o pagamento por performance
(P4P), com incentivos (ou punições) financeiros para prestadores de serviços
com base em resultados determinados, foi adotado em nove projetos. Cinco desses
casos usaram o modelo chamado capitation, um valor fixo de remuneração para o
médico/clínica de acordo com o número de beneficiários sob sua responsabilidade
– geralmente atrelado à atenção primária à saúde (APS). O formato de pacote (chamado
de bundle), com um valor fechado para tratamento de condição específica, foi
adotado em três iniciativas.
A Amil, por exemplo, submeteu o projeto Territórios
Integrados de Atenção à Saúde (Teias), com base em capitation e
compartilhamento de ganhos por meio de organizações de atendimento responsável
(ACOs, em inglês). O modelo ACO foi criado pelo Medicare (EUA) em 2011, com 26
prestadores, para recompensar provedores que mantêm seus pacientes saudáveis.
Hoje passam de 1,4 mil, segundo a especialista Marcia
Makdisse, que conduz estudo em cinco países — Brasil, Argentina, Chile,
Colômbia e México —, e identificou preliminarmente 55% de fee for service, 35%
de combinação com alternativas e o restante, principalmente hospitais públicos,
com orçamento global.
Por aqui, o Hospital Israelita Albert Einstein instalou
escritório de gestão de valor (VMO, em inglês) em 2017. De lá para cá,
estabeleceu padrões médios e desfechos para criar pacotes (bundles). Um deles é
o de mastectomia, que inclui cirurgia, reconstrução, quimioterapia e
radioterapia, com adaptações para casos com mais fatores de risco. Cirurgias de
vesícula, bariátrica e endometriose são outros exemplos.
Planos corporativos com atenção primária — e em alguns casos
internações — saem do valor total por capitation, diz Sidney Klajner,
presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.
O diretor-presidente do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Paulo
Vasconcelos, conta que a unidade Vergueiro da instituição foi a primeira no
país a implantar modelo alternativo ao fee for service. Hoje são 800 tipos de
“bundles” em todas especialidades, exceto pediatria e obstetrícia.
Segundo ele, criar mais opções de remuneração é uma demanda
global para equacionar o crescimento de custos com maior expectativa de vida e
aumento de doenças crônicas. O Fleury usa o modelo de capitation, inclusive com
inclusão de atenção primária. A aquisição da Santé Corp, em 2018, e a criação
de clínicas para cirurgias de baixa complexidade com alta no mesmo dia (day
clinic) alimentam a estratégia.
Outro pilar é a plataforma de serviços e telemedicina para
atenção primária Saúde iD, que tem aplicativo, médicos como os de família e
resolutividade de 89% dos casos. Essa opção agora chega com planos diretos para
o consumidor, segundo a CEO do grupo, Jeanne Tsutsui. “A solução é criar
ecossistemas para sustentar acesso e linha de cuidado em toda a jornada”, diz
Leonardo Vedolin, diretor médico da Dasa. De dezembro para cá a rede investiu
cerca de R$ 4,5 bilhões para comprar a rede de hospitais Laforte (SP), o
Hospital São Domingos (MA) e o Hospital da Bahia.
Os fornecedores também traçam parcerias. A Medtronic avança
no Brasil em compartilhamento de riscos em áreas como cirurgia bariátrica e
diabetes e a GE Healthcare oferece modelos como pagamento por uso.
Na Porto Seguro um em cada cinco casos adota modelos de resultados
compartilhados (share saving), orçamento ajustável (fixo ajustado em função de
gravidade), pacotes ou capitation (este, principalmente com laboratórios).
Em abril, a empresa lançou plataforma de combinação
(matching) para o paciente encontrar o melhor médico para sua patologia. A
partir de junho oferecerá atenção primária com médico de família e programa de
avaliação de sintomas por IA para triagem remota, seguida por telemedicina para
anamnese completa e encaminhamento do paciente, explica o diretor-executivo de
saúde, odontológico e saúde ocupacional Marcelo Zorzo.