STF decide a favor de quebra de patentes na área da saúde
Com decisão, perdem efeito patentes que tiveram vigência estendida, referentes a medicamentos e equipamentos hospitalares
O Globo - 13 de Maio de 2021Após julgar inconstitucional a extensão do período de proteção às patentes, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, por 8 votos a 3 derrubar em caráter imediato as patentes de produtos farmacêuticos que já estejam em vigor há mais de 20 anos no país.
Na semana passada, a Corte já havia julgado inconstitucional
um mecanismo previsto na legislação de patentes que permitia às empresas
prorrogar automaticamente o prazo de proteção aos produtos caso houvesse demora
na análise do pedido no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Os ministros decidiram quando os efeitos desta decisão
entram em vigor e para quais setores. Para as 3.435 patentes da área de saúde,
a decisão é retroativa, ou seja, não é possível hoje prorrogar o prazo de
proteção ao produto depois de completados 20 anos.
Muitos destes medicamentos têm custo alto e o fim do
mecanismo, que permite tempo extra de proteção, abrirá espaço para a fabricação
de alternativas a custo menor, os chamados genéricos.
A mudança, de acordo com um documento assinado por oito
ex-ministros da Saúde (José Serra, José Gomes Temporão, Arthur Chioro, José
Saraiva Felipe, Humberto Costa, Alexandre Padilha, Argenor Alvares e Barjas
Negri) divulgado há algumas semanas, poderia levar a uma economia de mais de R$
3 bilhões na compra de remédios pelo SUS.
Remédios para câncer e HIV na lista
A Procuradoria-Geral da República (PGR) moveu a ação no STF
em 2016 pedindo a derrocada do dispositivo que permitia estender o prazo de
proteção de produtos com o argumento de que ele era inconstitucional. Em média,
esse prazo adicional era de três anos e meio no país.
No processo, a PGR menciona 74 medicamentos que se amparavam
nessa vigência prorrogada da patente. A lista abrange desde medicamentos usados
para HIV, câncer, diabetes, até disfunção erétil e contra o tabagismo.
Toffoli: 'Situação excepcional'
Em seu voto, o relator, ministro Dias Toffoli, defendeu a
retroatividade para o setor de saúde.
— A situação excepcional caracterizada pela emergência de
saúde pública decorrente da Covid-19 elevou dramaticamente a demanda por
medicamentos e por equipamentos de saúde de forma global, com a elevação dos
ônus financeiros para a administração pública e para o cidadão na aquisição
desses itens — disse Toffoli.
O ministro acrescentou ainda que levava em conta o aumento
global da demanda por itens de saúde, os gastos públicos e os do cidadão com
produtos de saúde, o que tornaria inadiável a retroatividade da decisão para
medicamentos e produtos de uso em saúde.
Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Marco Aurélio
votaram contra a proposta de Dias Toffoli por entender que o dispositivo da lei
deveria retroceder para todas as patentes, sem exceções.
Judicialização
A decisão do STF também terá efeitos retroativos nos casos
em que já existia judicialização sobre a vigência da patente com o argumento da
inconstitucionalidade da extensão. Para isso, é necessário que a ação tenha
sido iniciada até 7 de abril deste ano.
Excluindo da conta o setor de saúde, existem 27.203 patentes
de outros segmentos, como eletroeletrônica e telecomunicações, cujos efeitos da
decisão só valem daqui para a frente. Ou seja, neste universo, os produtos que
contam hoje com a proteção por meio do prazo estendido continuarão contando com
essa garantia.
A partir da data da publicação da ata do julgamento, porém,
nenhuma patente no país poderá ter prazo prorrogado por mais de 20 anos, que é
o prazo definido na lei no caso das patentes de invenções.
Apesar da mudança futura, os outros segmentos comemoraram a
decisão afirmando que ela traria insegurança jurídica e seria um desincentivo à
inovação.
O parágrafo único do artigo 40 da lei de Propriedade
Intelectual, derrubado pelo STF, previa que a vigência da patente a partir da
concessão pelo INPI não poderia ser inferior a dez anos.
Como o órgão costuma demorar para fazer a análise dos
pedidos, a extensão automática era comum e fazia com que um produto continuasse
protegido por lei por prazo superior a 20 anos.
Decisão pode tornar medicamentos mais acessíveis
A solução dada pelo STF favoreceu o ponto de vista de grupos
farmacêuticos brasileiros, grandes produtores de genéricos e que, agora,
poderão lançar no mercado nacional similares das patentes que serão quebradas
após a decisão da Corte.
O principal argumento de quem defende a mudança é o
barateamento dos custos pagos pelo SUS por medicamentos que tiveram a patente
prorrogada com base no dispositivo da lei agora derrubado.
Para Reginaldo Arcuri, presidente-executivo do Farma Brasil,
que reúne laboratórios brasileiros como Aché, Eurofarma, EMS e Libbs, a decisão
traz benefícios à sociedade porque permite o lançamento de mais medicamentos
similares por menor custo.
— A modulação era juridicamente previsível. Sempre que você
declara inconstitucionalidade de uma norma ou de parte dela, ela precisa parar
de valer imediatamente. Na prática, é o que vai acontecer no setor da saúde.
Quem teve os 20 anos de gozo da proteção de patente, já usufruiu o tempo
previsto pela lei — disse ele.
Felipe Carvalho, da ONG Médicos Sem Fronteiras no Brasil,
também elogiou a decisão da Corte.
“O STF corrige um erro histórico que tornou, nas últimas
décadas, o preço dos medicamentos mais alto, por mais tempo, ameaçando a
sustentabilidade do sistema de saúde e prejudicando o acesso de milhões de
pessoas a medicamentos essenciais”, afirmou em nota.
Um grupo formado por ex-ministros da Saúde e pesquisadores
chegou a divulgar um manifesto em que defendia a mudança na lei. O manifesto
cita estudo da UFRJ publicado ano passado que analisa o efeito da extensão de
patentes em nove medicamentos comprados pelo SUS.
O gasto com a compra dos remédios foi de R$ 10,6 bilhões
entre 2014 e 2018, e a economia potencial projetada caso a extensão não
existisse seria de R$ 3,9 bilhões.
Redução de empresas
Por outro lado, a medida tomada agora pelo STF contraria a visão
de multinacionais farmacêuticas, que defendiam a manutenção da lei com a
previsão de extensão automática das patentes, sob o argumento de que a demora
do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em analisar os pedidos
de registro de patente limitava o direito à propriedade intelectual.
Para o advogado Otto Licks, que argumentou no processo
contra a inconstitucionalidade da extensão das patentes, a decisão do Supremo
desincentiva o inevstimento em pesquisa e inovação:
— A decisão tem impacto severo no sistema de patentes. O
INPI deverá mudar rápida e severamente a forma como trabalha ou haverá
judicialização para que as concessões sejam mais rápidas.