Pandemia fez brasileiro sofrer com finanças, mas inspirou a pensar mais no futuro
Pesquisa indica que 90% sente necessidade de educação para aprender a investir e a se organizar
Valor Econômico - 23 de Novembro de 2020O Valor Investe destaca que a pandemia fez a ampla maioria da população brasileira perceber sua renda como insuficiente para cobrir seu custo de vida, gerou atrasos em contas e postergou planos e realizações, mas também inspirou o brasileiro a pensar mais no futuro, buscar educação financeira e programar sua aposentadoria.
Essas são as principais conclusões do estudo “O bolso do
brasileiro”, realizada pelo Instituto Locomotiva e pela Xpeed, braço de
educação financeira da XP.
Que a covid-19 fez a maior parte da população penar nas
finanças, já se imaginava, mas o levantamento traz números – e contornos de
gravidade – à presumida situação.
“A pesquisa mostra que 63% consideram ter conhecimentos
apenas básicos de educação financeira. Isso já é muito, mas o retrato é ainda
pior, pois a maioria dos que descreviam ter conhecimento avançado mal dá conta
de cálculos de juros simples. Temos uma demanda imensa por educação”, comenta
Izabella Mattar, CEO da Xpeed.
A empresa foi lançada em junho para reorganizar as iniciativas
pedagógicas da XP, “de olho em furar a bolha”, como ela define. “Havia uma
demanda importante, antes da minha chegada, por organizar o pensamento e
diferenciar bem os cursos de trade, por exemplo, dos conteúdos de educação mais
básica”, ela comenta.
Já Renato Meirelles, diretor do Instituto Locomotiva,
realça a proposta de medir os impactos de uma crise ocorrida em um contexto
diferente dos que marcaram as últimas recessões. “A principal conclusão é que a
educação financeira ganhou uma importância maior do que a que já existia, ainda
mais na iminência do fim do pagamento, pelo governo, do auxílio emergencial”,
comenta.
No dado mais chamativo, o estudo revela que 7 em cada 10
brasileiros concluíram, nos últimos 12 meses, que sua renda era insuficiente
para cobrir seu custo de vida – são 115,5 milhões de brasileiros nessa
condição, pontua Meirelles. E, nas classes D e E, o índice chega a 87%.
Isso levanta uma questão para agentes financeiros, sejam
eles ligados a bancos tradicionais ou às jovens plataformas de investimento e
educação: para uma população com a corda no pescoço, é possível falar sobre
como investir, ou ainda é o caso de ensinar a evitar o endividamento?
“São movimentos paralelos. A maior razão que leva os
brasileiros a traçar objetivos financeiros é justamente pagar dívidas, e a
segunda é ter uma reserva para emergências, sendo que a maior emergência
apontada pelos entrevistados é justamente não ter dívidas”, pontua Meirelles.
Para ele, essa pergunta ganhará novas respostas conforme
aumente a penetração dos serviços oferecidos por fintechs. “Até há pouco tempo,
qual era a lógica do banco? Emprestar o guarda-chuva no dia de sol e tirar
quando começa a chover, e ganhar dinheiro com juros sobre empréstimos aos mais
pobres e com comissões sobre investimentos dos mais ricos. Agora, é possível
reverter essa lógica”, comenta.
O estudo apurou ainda que a pandemia fez 3 em cada 10
pessoas atrasarem pagamentos de contas, e 41% dos entrevistados disseram não
ter como pagar uma despesa inesperada que equivalesse à renda deles em um mês –
nas classes D e E, esse índice piora e chega a 47%.
Além disso, 8 em cada 10 entrevistados dizem ter objetivos
financeiros, mas os principais são pagamento de dívidas e formação de reserva
de emergência, e 29% nem sequer creem que sua condição permitirá alcançar essas
metas.
A pesquisa delineia essa vulnerabilidade como um obstáculo
para o desenvolvimento pessoal e, em último caso, para a felicidade. É o que se
conclui do fato de que para 58% da população, a situação financeira impede a
realização de coisas que consideram importantes. Entre pessoas com mais de 60
anos, esse índice dispara para 70%.
“A gente quis abordar questões pouco citadas, como a fobia
financeira. Tem muita gente declarando que dinheiro é um problema que atrapalha
a saúde mental. Muitos nem acompanham o extrato ou a fatura do cartão, preferem
não pensar nisso. Acontece muito no Brasil, é um tema que vive embaixo do
tapete. Estamos jogando luz”, situa Mattar, da Xpeed.
“Pesquisas mostram que quando estão devendo, as pessoas
param de atender números desconhecidos no celular”, reforça Meirelles, da
Locomotiva, sobre o dano psicológico causado pela fragilidade financeira. Ele
completa: “O mercado tende a considerar os inadimplentes caloteiros, quando na
verdade são os principais interessados em quitar suas dívidas e voltar ao ciclo
de consumo. O sistema financeiro é uma corda: pode servir para se enforcar ou
para sair do buraco. A educação serve para que essa corda seja bem utilizada”.
A pesquisa “O Bolso do Brasileiro” ouviu 1.501 pessoas com
mais de 18 anos em todo o país, pela internet, entre 16 e 23 de outubro, e vai
ser apresentada nesta segunda-feira, às 19h15, em meio à participação da Xpeed
na 7ª Semana Nacional de Educação Financeira, que começa hoje (23) e vai até
sexta-feira (27). O evento é promovido pelas entidades-membros do Fórum
Brasileiro de Educação Financeira, incluindo Banco Central e CVM – veja, ao
final, alguns destaques da programação da Xpeed ao longo da semana.
Mais preocupação com o futuro
Tanto Mattar, da Xpeed, quanto Meirelles, do Locomotiva,
salientam um inusitado “efeito colateral” da covid-19: a janela de
oportunidades contida no inesperado, com maior conscientização sobre a
necessidade de se planejar para evitar tombos como o que foi causado pelo
vírus.
Para 47% dos entrevistados, o novo coronavírus fez pensar
mais no futuro; 41% dizem ter passado a pesquisar mais sobre finanças após a
covid-19; e 90% sentem necessidade de educação para aprender a investir e a se
organizar.
“A pandemia fez as pessoas terem de lidar com o assunto.
Foi de maneira brutal, na veia, sem reserva. É um momento de conscientização,
porque abre a cabeça; o cara acabou de sofrer a dor, é a melhor hora para falar
nisso”, diz Mattar.
Meirelles concorda: “A pandemia fez o brasileiro pensar em
alternativas nas quais até há pouco tempo não pensava, porque não tinha o
conhecimento, nem havia plataformas que possibilitassem o acesso a
investimentos. Hoje, tem várias. Isso é uma mudança de paradigma”.