Com nova lei de dados, Brasil quer explorar mercado bilionário
Se seguir à risca o que está na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o Brasil poderá explorar um mercado bilionário que envolve o fluxo massivo de dados entre países, informa o Valor Econômico. A estratégia tende a beneficiar multinacionais e gigantes da internet, mas também empresas locais que buscam incorporar inovações tecnológicas para ganhar eficiência e acessar mercados globais.
“A
transferência internacional de dados vai nos colocar em outro patamar, que é o
de trocar dados com quem possui regras dessa natureza. Esse é o caso dos países
da Europa”, disse Miriam Wimmer, diretora de serviços de telecomunicações no
Ministério das Comunicações e especialista no tema. Integrantes do governo
reconhecem que há desafios para garantir a eficácia da nova lei, vigente desde
o último dia 18. O maior é a estruturação da Autoridade Nacional de Proteção de
Dados (ANPD).
A autarquia,
vinculada à Presidência, só funcionará a partir da nomeação de sua diretoria,
que depende da indicação de nomes e da sabatina no Senado. Conforme mostrou
recente reportagem do Valor, o governo enfrenta dificuldade para repor o
comando das agências, tanto que 40% de suas vagas são ocupadas por interinos ou
estão em aberto. Questionado sobre a escolha dos nomes e início do
funcionamento da ANPD, o Palácio do Planalto não quis comentar.
Para Miriam, a
ANPD deve seguir o caminho do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade). “O Cade nasceu pequeno, sem um corpo técnico próprio, depois tornou-se
um órgão de prestígio internacional.” A Brasscom, que representa grandes grupos
de tecnologia, avalia que a ANPD dará conforto para o investidor apostar em
novos negócios.
“Por ser um
órgão administrativo, ele terá mais agilidade e autonomia para fazer a
regulamentação, fiscalização e, sobretudo, aperfeiçoar a proteção de dados a
partir de boas práticas internacionais”, disse Sergio Paulo Gallindo,
presidente da entidade.
Em outubro, o
governo receberá relatórios da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), que vão indicar os avanços institucionais que o país precisa
buscar para garantir a proteção de dados. Miriam acredita que a atuação da ANPD
ajudará o Brasil a ganhar credibilidade e buscar acordos internacionais.
Em julho, os
tribunais europeus suspenderam o acordo com os EUA (“EU-US Privacy Shield”) por
desconfiar de violação à privacidade. Na ocasião, o secretário de Comércio dos
EUA, Wilbur Ross, lamentou o ocorrido e disse que a decisão acarretaria em
perdas comerciais de US$ 7,1 trilhões.
Há três meses,
o Fórum Econômico Mundial apresentou estudo sobre o fluxo internacional de
dados. O documento alerta que é fundamental que cada país “comece garantindo
que sua casa esteja em ordem”, antes de buscar cooperação internacional. A
análise produzida pelo fórum reforça que a necessidade de prover um trânsito
fluido e seguro de dados vem dos serviços baseados na internet e do e-commerce.
Porém, ressalta que essa demanda será ainda maior em negócios com uso intensivo
de computação em nuvem, inteligência artificial e internet das coisas.
Outra análise,
da Câmara de Comércio Internacional (ICC, na sigla em inglês), destaca que a
barreira institucional ao fluxo internacional de dados resulta em aumento de
custos para empresas locais que dependem da computação em nuvem e de outros
recursos da internet para alcançar mercados globais. O levantamento da ICC
registra ainda que os negócios que aproveitaram ferramentas de “big data”, que
geram valor com o uso inteligente e ágil de grande volume de dados, aumentaram
suas margens operacionais em 60%.
“Diversos
segmentos podem ter claros benefícios com ofertas de serviços a partir do
Brasil para o mundo”, disse o presidente da Associação Brasileira das Empresas
de Software (Abes), Rodolfo Fücher. Ele considera, porém, que limitar o fluxo
prejudicaria até simples procedimentos. “Imagina um europeu ser impedido de fazer
uma reserva num hotel no Brasil devido à impossibilidade legal de seus dados
transitarem por aqui?”