Após ajuste, IRB busca capitalização
O Valor Econômico relata que as primeiras declarações públicas de Antonio Cássio dos Santos, presidente interino do IRB Brasi l Re, foram para exaltar o trabalho feito pela gestora de recursos Squadra, que em fevereiro questionou em relatório os resultados do ressegurador. O documento instalou um caos na empresa, que culminou com um ajuste contábil de R$ 727 milhões nas demonstrações financeiras de 2017 a 2019. Santos disse, em teleconferência com jornalistas, que, quando se aposentar e passa a dar aulas, vai explicar aos alunos o que chama de “Squadra effect”: “Você pode enganar muitos por muito tempo, mas não pode enganar todos por todo o tempo”.
Segundo Santos, uma ou outra coisa do relatório da gestora
está mais à direita ou à esquerda, mas a base do trabalho que o analista fez
foi “fantástica”. “Merece meu respeito como financeiro e analista de balanço
que sou”, afirmou Santos. “A gente nunca mais vai esquecer disso no mercado financeiro
no Brasil. E eu vou levar isso para a minha carreira e para meus alunos no
futuro.”
Semanas depois do relatório, que apontava inconsistências
nos números e resultados inflados, o alto escalão do IRB vazou ao mercado que
Warren Buffett havia comprado ações da companhia. Assim, buscavam provavelmente
combater a desconfiança criada pela Squadra. Mas Buffett negou publicamente a
informação. A partir daí, o IRB perdeu a credibilidade e a nova gestão iniciou
investigação de todos os números, com auxílio de consultoria forense.
A empresa informou que ex-diretores e outros colaboradores
“praticaram irregularidades que culminaram na modificação intencional e
sistêmica de dados operacionais da companhia relacionados, principalmente, às
reservas técnicas”. Santos explicou que a maior parte do ajuste foi relacionado
a previsões e estimativas para o pagamentos de sinistros, que foram avisados,
mas não contabilizados.
“O momento é de reflexão para empresários cuja contabilidade
é baseada em provisões. Numa resseguradora, 80% da contabilidade é baseada em
expectativas”, afirmou o executivo. Os sinistros, ele diz, podem ser estimados
de forma mais ou menos prudencial. No IRB, o que se viu foram estimativas
constituídas de forma insuficiente, ou os registros foram postergados, sendo
contabilizados em exercícios diferentes.
“Quando há evidência de um valor sobre um determinado
evento, a resseguradora tem que reconhecer o valor, pelos princípios de
contabilidade. Não pode haver qualquer procrastinação com relação ao prazo”,
disse Santos. Ao tratar do caso, a empresa não usa a palavra fraude. E Santos
definiu a companhia, o antigo conselho de administração, formado por executivos
de alto escalão dos principais bancos, e até os auditores como vítimas.
“Diante de processo sistêmico, de lançamentos de informações
feitos pelas mesmas pessoas, de maneira recorrente por longo tempo, nós todos
somos vítimas”, afirmou Santos. Semana passada, o IRB já havia apontado
irregularidades feitas por executivos afastados, como vazamento da lista de
acionistas e o pagamento de R$ 60 milhões em bônus inadequados, sem citar
nomes.
De acordo com fontes, a empresa tomou os cuidados porque na
visão de seus advogados quem tem que fazer as acusações é o Ministério Público.
Tratar a empresa como vítima também pode ser uma estratégia para enfrentar
processos indenizatórios de acionistas. As conclusões das investigações também
foram enviadas para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a reguladora
Susep.
Como os sinistros não foram adequadamente lançados, na
revisão dos resultados, eles acabaram levando à insuficiência das provisões
técnicas do ressegurador, o que acabou levando a Susep a instalar uma fiscalização
especial na companhia em maio. Na época, o IRB havia informado que o
desenquadramento das provisões era devido à desvalorização cambial. Ontem
esclareceu que a revisão dos resultados levou à insuficiência das provisões no
fim de 2019, no valor de R$ 1,4 bilhão. Em março de 2020, ele cresceu para R$
2,1 bilhões, por conta do câmbio.
A empresa não informou qual o montante atual. Mas esse é um
valor já esperado pelo mercado para uma capitalização da empresa, que anunciou
a contratação de Bradesco BBI e Itaú BBA para colocar de pé a operação, que
espera concluir até setembro. Santos fez questão de reforçar, por diversas
vezes, tanto para analistas quanto para jornalistas, que a empresa é “robusta e
solvente”, sem problemas de liquidez no curto prazo, que define por um período
de 36 meses.
Ao mesmo tempo, foi claro ao afirmar que a capitalização é
necessária para o futuro. “As medidas que tomamos até aqui foram suficientes
para trazer o barco a um porto seguro. Mas um barco não existe para ficar num
porto seguro. Nosso negócio é a volatilidade das ondas, é estar com as velas
postas e em alto mar.”
Santos destacou que chegou a olhar uma operação de dívida ou
de ações em abril, mas na crise atual, o custo estava muito exorbitante e a
empresa preferiu não acessar o mercado por não ter problemas de solvência. “Com
o processo de capitalização e a conversão de ativos livres em ativos
garantidores criaremos um colchão na companhia suficiente não só para arrumar o
enquadramento regulatório como para estabelecer bases para o desenvolvimento
futuro da empresa”, afirmou.
Sobre esse futuro, a empresa falou muito pouco. Os analistas
procuraram saber qual é o novo patamar esperado de retorno sobre capital do
IRB, sinistralidade e outras estimativas de crescimento para o negócio. Mas
seus executivos se limitaram a dizer que por ora não darão guidances ao
mercado.
Santos afirmou apenas que a empresa está revendo todo o
negócio e seus contratos e que vai focar naqueles que gerem mais valor. O foco
é o Brasil e a América Latina, e operações em outros países, em que o IRB tem
poder de competitividade menor, estão sendo reavaliadas. Os problemas recentes
não afetaram a relação com clientes.
No primeiro trimestre, a empresa divulgou lucro de R$ 14
milhões, com queda de 92%, mas impactado por uma venda de participação em
shopping, que gerou ganho de capital de R$ 100 milhões - essa operação havia
sido antes contabilizada em 2019, apesar de ter se efetivado em 2020 e houve
uma reversão.