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Carro autônomo terá supervisão mais rígida de segurança

Valor Econômico - 25 de Novembro de 2019

Reportagem do Financial Times, reproduzida pelo Valor Online, relata que, até agora, os Estados Unidos têm sido uma terra sem lei para os veículos autônomos. Só a Califórnia abriga 62 empresas que estão testando veículos sem motorista — e algumas delas pretendem ativar frotas comerciais nos próximos dois anos.

A ideia de que a National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA, nas iniciais em inglês), o órgão federal de segurança de tráfego americano, interferiria e dificultaria essa transição foi, em grande medida, descartada. Em vez disso, o NHTSA tem apoiado os esforços, desempenhando um papel reativo que permite que as empresas se “autocertifiquem” de que cumprem os padrões de segurança.

Mas a atitude do NHTSA foi alvo de feroz ataque na terça-feira, quando o órgão investigativo federal National Transportation Safety Board (NTSB, nas iniciais em inglês) realizou uma audiência pública para determinar a causa do acidente fatal ocorrido em março de 2018, quando um Uber autônomo matou uma pedestre que cruzava a rua com uma bicicleta. “Na minha opinião, eles puseram o avanço tecnológico, nesse caso, à frente de poupar vidas”, disse Jennifer Homendy, membro do conselho do NTSB, referindo-se à NHTSA.

Homendy citou exaustivamente as diretrizes públicas da NHTSA, chamadas “Automated Driving Systems, a Vision for Safety” (“Sistemas de Condução Automática, uma Visão em prol da Segurança”), dizendo que elas eram, na verdade, “ridículas” por vezes. “Eles deveriam rebatizá-las de Vision for Lax Safety” (Visão em prol da Segurança Permissiva)”, disse ela. Pessoa envolvida nas audiências disse posteriormente: “Eu sabia que havia briga

Previa-se que a audiência de terça-feira seria principalmente relevante para o Uber, cujo sistema autônomo não conseguiu reconhecer a pedestre. Mas o NTSB definiu que “a causa imediata da colisão foi a falha do [assistente de segurança do] Uber em monitorar atentamente a rua”, e o impacto de sua crítica foi dirigido aos reguladores, por precariedade da supervisão.

Quatro das seis medidas recomendadas pelo NTSB foram para a NHTSA e o Estado do Arizona, onde ocorreu o acidente. Especialistas presentes na audiência observaram que a NHTSA “estimula” as empresas de veículos autônomos a apresentar autoavaliações de sua tecnologia — mas apenas 16 o fizeram, e a qualidade desses relatórios se revelou grandemente variável.

Um dos especialistas disse que “poucos deles fornecem” muitos detalhes e “outros soam francamente como folhetos de marketing”. Homendy disse: “Penso, na verdade, que há uma grande falha da parte do governo federal e do Estado do Arizona, porque eles também não tinham qualquer padrão em vigor — e ainda não têm, por não regulamentarem essas operações”.

Membros do conselho do NTSB apoiaram por unanimidade a ideia de que a NHTSA comece a “exigir” dos grupos que estão fazendo testes – ou que até pretendam fazer — que apresentem relatórios padronizados, detalhados. Além disso, solicitou-se à NHTSA que abrisse um processo de avaliação

implementadas, as medidas recomendadas poderão adiar ainda mais o uso de carros autônomos, uma vez que alguns grupos não encontraram uma resistência propriamente forte da parte dos órgãos reguladores. Amnon Shashua, executivo-chefe da Mobileye, uma empresa de visão por computador de propriedade da Intel, disse antes da audiência acreditar, pessoalmente, que a regulamentação é “o maior obstáculo” à colocação de robotáxis autônomos nas ruas, mas disse que poucas pessoas entendem toda a extensão do desafio.

“Ninguém fala, na verdade, de regulamentação”, disse ele. “Todo mundo fala, ‘tudo bem, vamos dirigir por tantas milhas e mostrar o fato de que não temos muitos acidentes nesses milhões de milhas, e tudo então ficará bem e vamos pôr um automóvel autônomo na rua. Mas a questão é muito mais complicada.” As consequências de uma regulamentação falha podem ser de longo alcance.

O grupo de “lobby” verde Transport & Environment, sediado em Bruxelas, advertiu para “um horário do rush que dura o dia inteiro” caso automóveis sem motoristas forem autorizados a trafegar nas ruas de forma não regulamentada. “Veículos automatizados sem motorista podem ficar tão baratos de administrar que eles vão estimular as pessoas, ou mesmo automóveis sem pessoas dentro, a viajar mais e por mais tempo”, preveniu o grupo em setembro.

Mesmo sem recomendações dos órgãos reguladores, existe uma discussão grande e não resolvida sobre o quanto os carros sem motoristas deveriam ser mais seguros, em comparação aos dirigidos por seres humanos, antes de serem postos em ação.

A Mobileye, que é a líder mundial em tecnologia de assistência de direção, acha que, para conquistar a confiança da sociedade na tecnologia de direção autônoma, “a taxa de letalidade deveria ser reduzida em três ordens de magnitude” — o que significa que os carros sem motorista deveriam ser mil vezes mais seguros.

Outros, no entanto, dizem que fixar o parâmetro em patamares tão elevados significaria causar mortes desnecessárias pelas mãos de motoristas humanos. Dan Ammann, diretor da divisão autônoma Cruise, da GM, disse ao “Financial Times”: “Se conseguirmos demonstrar que estamos dirigindo com mais segurança do que a média dos humanos, então, por definição, toda vez que pusermos um dos nossos automóveis na rua estaremos tornando o mundo ligeiramente mais seguro. Esse é o objetivo”.

Chris Urmson, executivo-chefe da Aurora, uma startup de direção autônoma respaldada pela Amazon e pela Sequoia, disse na reunião de cúpula Future of the Car, do “FT”, em Detroit, que “simplesmente não faz o menor sentido” exigir que carros sem motorista sejam cem vezes mais seguros do que um [dirigido por] humano antes de colocá-los em uso.

“O parâmetro normal que é empregado nesse tipo de aplicação — em que se introduz a tecnologia no veículo — é o de você não estar criando um risco novo, exorbitante”, disse ele. “E eu acho que esse é o limiar em que deveríamos pensar ao pôr essa tecnologia em uso.” Após a audiência, Nat Beuse, uma ex-autoridade de NHTSA que é atualmente diretor de segurança da divisão de direção autônoma do Uber, disse que nos últimos seis anos “não havia solução propriamente dita para sair e regulamentar”. Em vez disso, os reguladores tentavam encontrar um equilíbrio entre ser autoritários demais e deixar as empresas adotar posturas diferentes.

Independentemente de as recomendações se tornarem lei ou não, disse Noah Zych, seu colega e presidente da divisão de direção sem motorista do Uber, “qualquer desenvolvedor responsável de direção autônoma as observará com muito cuidado”. “A triste realidade é que haverá outra colisão, com uma vítima fatal ou com ferimentos graves durante o desenvolvimento dessa tecnologia. [Quando isso ocorrer,] não haverá qualquer abrigo para qualquer empresa que não tenha adotado uma prática responsável de gestão de segurança”, acrescentou ele.