Sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e Presidente da Academia Paulista de Letras
CONSIDERAÇÕES SOBRE O SEGURO DE TRANSPORTE
A lei determina que o transporte de cargas de pessoas jurídicas em território nacional deve ser segurado. 11 de Junho de 2021A lei determina que o transporte de cargas de pessoas jurídicas em
território nacional deve ser segurado. A previsão consta expressamente do
artigo referente aos seguros obrigatórios do Decreto-Lei 73/66, que regula o
Sistema Nacional de Seguros Privados, alçado a lei complementar pela
Constituição de 1988. Mas será que a disposição é realmente aceita e cumprida?
A resposta é depende e o depende significa que a maioria das cargas
transportadas no Brasil não tem seguro.
As empresas localizadas nas grandes cidades, com estrutura legal e
operacional mais complexas, contratam o seguro de transporte de carga, mas isso
não é verdade para uma infinidade de cargas transportadas pelo interior do
Brasil.
As mercadorias são colocadas nas carrocerias dos caminhões - bom número
deles irregulares - e simplesmente seguem viagem, tanto faz a distância e as
condições do percurso. A forma como são embaladas e colocadas nas carrocerias
varia de embarque para embarque, mas o fato comum a boa parte delas é que não
são seguradas. E não o são pelos mais variados motivos, desde o desconhecimento
dos empresários, até a falta de oferta de seguro numa determinada região.
Qual o prejuízo decorrente desta realidade? É difícil avaliar, até
porque, como não há controle sobre boa parte das mercadorias transportadas,
ninguém conta quanto embarcou, transportou e perdeu. O assunto fica limitado
aos diretamente envolvidos, normalmente o dono da carga e o caminhoneiro. Não é
necessário todos saberem dos negócios de cada um, muito menos os valores
envolvidos, como são feitos e por quê. Cada um que cuide de sua vida. Se fizer
isso bem-feito, já estará fazendo muito.
O Brasil é enorme e, dentro de nosso imenso território, existem várias
realidades completamente diferentes, tendo em comum uma grande dose de
informalidade. Não fosse isso e as crises que se abatem sobre o país oficial
cobrariam um preço bem mais caro. A impressionante capacidade de recuperação da
nação tem na sua origem um país paralelo, provavelmente tão rico quanto o país
formal, que também sofre com as crises, mas tem uma capacidade de resiliência
maior, fruto da informalidade que deixa o dinheiro com a sociedade, em vez de
transferi-lo para o governo, como acontece nos estados mais desenvolvidos,
especialmente nas grandes regiões urbanas.
Durante muitas décadas, o seguro de transporte de cargas foi considerado,
juntamente com os seguros de incêndio e lucros cessantes, um dos três seguros
nobres, pelos quais as seguradoras mais importantes competiam ferozmente,
remunerando regiamente os corretores com significativa massa de prêmios na
carteira.
A competição chegou a ser tão acirrada que, no final da década de 1980,
uma das grandes seguradoras nacionais, visando criar diferencial a seu favor,
desenvolveu um seguro de lucros cessantes para os caminhoneiros. O projeto fez
água, mas mostra como o seguro de transporte de cargas foi importante e fez
diferença nos balanços das seguradoras em operação no Brasil.
Mas tudo muda e o país não é exceção hoje, nem foi trinta anos atrás. A
violência começou a ocupar espaço cada vez maior na vida nacional e o roubo de
cargas se transformou numa das formas de criminalidade mais difundidas,
especialmente, mas não apenas, nas regiões próximas das cidades de São Paulo e
Rio de Janeiro. Com isto, o seguro de transporte de carga passou a ser
deficitário. Não bastasse a sinistralidade decorrente da ação de quadrilhas
especializadas, caminhões acidentados eram - e são - saqueados logo depois do
acidente.
O resultado é que, aos poucos, a maioria das seguradoras parou de operar
na carteira, deixando este importante segmento apenas com algumas companhias
que decidiram se especializar e investiram pesado em ações para minimizar os
riscos.
Neste momento, o seguro de transporte de carga não é uma prioridade para
a maioria das seguradoras em operação no Brasil, mas não há nada que impeça uma
profunda mudança de postura. O agronegócio está bombando e a interiorização é
uma realidade. Com a retomada do crescimento econômico, é perfeitamente
possível aumentar o número de segurados de seguros de transporte de carga e
isso é tudo que o setor necessita para retomar a antiga concorrência.