Sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e Presidente da Academia Paulista de Letras
RESPONSABILIDADE CIVIL – ILUSTRE DESCONHECIDA
Na semana passada tratei da importância dos danos de responsabilidade civil dando como exemplo dois casos emblemáticos, mas é na outra ponta que a responsabilidade civil causa danos, quem sabe mais prejudiciais, às vítimas. 23 de Abril de 2021Na semana passada tratei da importância dos danos de responsabilidade
civil dando como exemplo dois casos emblemáticos, mas é na outra ponta que a
responsabilidade civil causa danos, quem sabe mais prejudiciais, às vítimas. É
no dia a dia, na rotina da vida, que os danos a terceiros acontecem com mais
frequência e causam prejuízos que, invariavelmente pequenos, podem fazer
diferença na vida de uma pessoa. Todavia, o brasileiro não tem o hábito de
contratar seguro para esse tipo de dano.
O seguro de responsabilidade civil mais conhecido é o RC facultativo de
veículos, e ele é, na maioria das vezes, mal contratado. Apesar da apólice ter
verba para danos materiais e para danos corporais distintas, é comum os seguros
serem contratados com o mesmo capital para as duas garantias, ainda que os
sinistros de danos corporais normalmente envolvam quantias muito mais elevadas
do que os de danos materiais. Na maioria das vezes, o que move o segurado é o
preço do seguro, então é mais fácil vender uma apólice mais barata, com capital
insuficiente para um sinistro de danos corporais, do que perder o negócio. E é
isso que acontece. As garantias para danos corporais são comumente contratadas
com os mesmos capitais das garantias para danos materiais e raramente elas passam
de cem mil reais.
A regra vale para um enorme número de seguros realizados no Brasil. O
capital para responsabilidade civil é baixo, tanto faz o tipo de risco. Seja RC
chefe de família, seja RC profissional, em função do preço do seguro, o
segurado opta por capitais insuficientes para suas reais necessidades, sem se
dar conta da máxima que reza que o seguro caro é o seguro mal contratado.
Mas o quadro se agrava mais ainda. Parte significativa dos comerciantes
brasileiros não conhece suas obrigações e não sabe que ele é corresponsável
pelos danos que produtos que ele comercializa eventualmente causem a terceiros.
O resultado é que não contratam seguros para protegê-los, ainda que tenha direito
de regresso contra o produtor.
Um exemplo claro e fácil para mostrar o problema foi a resposta de um
comerciante do Mercadão de Pinheiros, que vendeu um queijo da serra da canastra
com um grande chumaço de cabelos humanos em seu interior. Segundo ele, ele não
tinha nada com o problema, ele só tinha vendido o produto fabricado em Minas
Gerias, mas substituiu o queijo com cabelo por um pequeno pedaço de outra marca,
só para não perder o cliente.
Este exemplo não tem dano além da cara peça de queijo jogada fora. Mas e
se o produto vendido provocasse uma intoxicação que levasse o consumidor a
óbito? A responsabilidade do comerciante seria imediatamente invocada, até
porque o consumidor está mais perto dele do que do produtor no interior de
Minas Gerais.
O Código do Consumidor é claro em expandir as responsabilidades pelos
danos causados a terceiros para todos os envolvidos na cadeia de produção e
venda de um produto, cabendo ao consumidor lesado escolher de quem ele pretende
se ressarcir. E nem sempre o consumidor escolhe o responsável final pelo dano.
O seguro de responsabilidade civil existe para isto e é comercializado
pelas seguradoras nacionais. Porque ele não é contratado é uma outra história,
que começa pelo desconhecimento do empresário sobre a sua própria
responsabilidade civil e que se estende para o seu desconhecimento sobre as
ferramentas à sua disposição para minimizar suas perdas no caso de eventos dessa
natureza.
Finalizando, mas tão importante quanto os outros tópicos abordados, os
brasileiros preocupados com a possibilidade de causar danos a terceiros, e que
conhecem os seguros de responsabilidade civil existentes, consideram as
apólices praticamente incompreensíveis, o que também os afasta do seguro por
não confiarem que receberão as indenizações nos casos concretos.
O atual movimento da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) no
sentido de desregulamentar o setor, inclusive no que diz respeito aos seguros
de responsabilidade civil, pode ser o gancho que as seguradoras necessitam para
reverem suas apólices.