Sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e Presidente da Academia Paulista de Letras
SEGURO DE VEÍCULOS NA PANDEMIA
Foi com surpresa que eu fiquei sabendo que as seguradoras que operam com seguros de veículos estão tomando, indevidamente, dez bilhões de reais dos segurados. 26 de Junho de 2020Foi com surpresa que eu fiquei sabendo que as seguradoras que operam com
seguros de veículos estão tomando, indevidamente, dez bilhões de reais dos
segurados. É um absurdo, mas já virou
até notícia de jornal, o que mostra a falta de conhecimento do assunto pelos encarregados
de escrever a matéria, que não se deram ao luxo de checar de onde estes dez
bilhões saíram.
Dez bilhões de reais por quê? Qual o critério adotado para concluir que
as seguradoras estão ganhando, indevidamente, dez bilhões de reais nos seguros
de veículos por causa da redução do uso dos mesmos em função do isolamento
social? Por que dez bilhões e não nove bilhões e seiscentos ou quatro bilhões
trezentos e quarenta e cinco mil reais?
De acordo com o que me contaram, a base para a ideia são devoluções de
prêmios pagos a mais em função do não uso dos veículos, por seguradoras
norte-americanas. Elas teriam constatado a redução do uso dos veículos e da
queda do número de acidentes e, com base nisto, devolveram parte do prêmio pago
pelos seus segurados.
Eu não duvido que isto tenha acontecido, só não sei em que medida ou qual
o percentual de proprietários de veículos que recebeu esta devolução. Também
não parece razoável imaginar que foi uma ação concatenada por todas as
seguradoras que operam com seguros de veículos nos Estados Unidos. Só para dar
uma ideia do que poderia ser este número, enquanto o Brasil tem menos de
duzentas seguradoras autorizadas a operar no país, os Estados Unidos tem alguns
milhares de companhias, com uma diferença fundamental em relação a nós. Aqui as
seguradoras são autorizadas a funcionar e fiscalizadas pela SUSEP
(Superintendência de Seguros Privados), uma autarquia federal, enquanto as
seguradoras norte-americanas têm registro estadual e a legislação varia de
estado para estado.
É sempre bom lembrar que as ações de marketing nos Estados Unidos são
corriqueiras e que as seguradoras se valem delas regularmente, tanto que uma
das mais conhecidas é o envio de trailers para as regiões afetadas por grandes
eventos de origem natural (terremotos, furacões, inundações, etc.) e assim
atender rapidamente seus segurados, pagando os prejuízos com o máximo de
rapidez. É a melhor forma de ficar bem na foto e ganhar novos clientes, que
mudam de seguradora porque não foram atendidos tão rapidamente.
Devolver parte do prêmio do seguro de um automóvel porque houve a redução
dos acidentes durante dois ou três meses, em um período de um ano, não
significa nenhum valor expressivo. Além disso colisão não é o único risco
coberto pelo seguro.
A devolução proporcional do prêmio num período como este não alcançaria
mais do que cinquenta por cento de 3/12 do valor cobrado pelo seguro. Assim, tomando
a média de preço do seguro brasileiro, na casa dos mil e quinhentos reais,
estaríamos falando de menos de duzentos reais.
De outro lado, qual seria o custo administrativo para endossar milhões de
apólices e devolver duzentos reais? Só isto já não faz o menor sentido. Mas há
mais.
Ao faturar o prêmio do seguro, a seguradora tem que pagar impostos. Parte
deles calculado sobre o valor dos seguros vendidos. A que título esta devolução
deveria ser feita para permitir o estorno dos impostos cobrados? A Receita
Federal poderia entender a devolução como
uma liberalidade da seguradora, uma doação para o segurado, o que não permitiria
o abatimento do imposto devido.
Finalmente, as ruas já estão lotadas de carros e não há nenhuma
estatística, até agora, que valide a queda do número de acidentes no prazo de
um ano, que não é igual para todos, já que os seguros não começam todos na
mesma data.
É muito mais lógico as seguradoras, se for o caso, reverem os preços
praticados no ano anterior para, na renovação dos seguros, cobrarem menos pelo
próximo período coberto. Aliás, isso acontece naturalmente. A concorrência na
carteira de seguros de veículos é feroz e as seguradoras estão constantemente
revendo os seus preços para serem mais competitivas do que a concorrência. No
Brasil, devolver uma parte pequena do prêmio no meio do caminho não faz o menor
sentido, até porque fazer isso vai encarecer a renovação do seguro.