Sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e Presidente da Academia Paulista de Letras
PLANOS DE SAÚDE - 22 ANOS E CONTANDO
Não há uma data que marque indiscutivelmente o início dos planos de saúde privados no Brasil, de qualquer forma é possível dizer que eles começam a tomar vulto na década de 1960, 12 de Junho de 2020Não há uma data que marque indiscutivelmente o início dos planos de saúde
privados no Brasil, de qualquer forma é possível dizer que eles começam a tomar
vulto na década de 1960, em consequência do processo de industrialização trazer
para o país empresas internacionais e suas formas de atuação, especialmente na
área de recursos humanos.
O primeiro benefício oferecido, além da enfermaria ou do médico dentro da
fábrica, foi o seguro de vida em grupo. Em seguida, preocupadas com as
ausências prolongadas de seus funcionários, afastados pela Previdência Social em
virtude de doenças ou acidentes, estas empresas passaram a assinar convênios
com hospitais próximos, para atender com rapidez e eficiência, inicialmente, os
funcionários e, num segundo momento, suas famílias.
A maioria das operadoras de planos de saúde privados nesta época era
ligada a hospitais, ou a médicos, fosse diretamente, fosse através das
cooperativas de saúde que foram formadas.
Na década de 1970 os planos de saúde privados já representam um negócio
importante e a falta de uma regulamentação específica começa a ser vista como
moeda política, sem que, todavia, o Congresso vote legislação para ela. No
final da década de 1970, início da década de 1980, os grandes grupos
financeiros entram no setor, adquirindo planos existentes, ou desenvolvendo
produtos novos.
A partir deste momento, os planos de saúde privados ganham escala e
passam a atender um número cada vez maior de segurados. As operações eram
administradas através de empresas de assistências médicas, cooperativas,
seguradoras e planos de auto-gestão. Grosso modo, o mesmo desenho que o setor
tem atualmente, apenas as diferenças entre cada modalidade de operadora, e de
operação, eram mais claras.
Por conta do crescimento acelerado dos planos privados, vários projetos
de lei para regulamentá-los foram apresentados, sendo que um foi o escolhido
para seguir os caminhos do Congresso, mas acabou escondido e esquecido num
escaninho, onde permaneceu dormindo, até alguém, em 1998, se lembrar dele e
ressuscitá-lo, com a intenção de usar a regulamentação dos planos de saúde
privados para alavancar a campanha política de um candidato. O resultado foi
tão ruim que até hoje este candidato não assume a paternidade da lei.
A lei adormecida foi votada e no dia seguinte teve mais de 80% de seu
texto modificado por uma Medida Provisória. Depois disso, durante meses a fio,
o governo editou mensalmente uma nova Medida Provisória para tentar tornar
menos ruim uma das piores leis brasileiras.
Vinte e dois anos depois, ela está aí, longe de ser boa, mas trabalhada
de forma a permitir que os planos de saúde privados consigam tocar em frente e
crescer, o que tem sido feito com mais ou menos sucesso pelas centenas de
planos ainda existentes.
Ao contrário do que invariavelmente se fala, os planos de saúde privados
brasileiros funcionam e funcionam bem. Tanto que são o terceiro sonho de
consumo da população. Se eles fossem armadilhas para enganar o povo, com
certeza já teriam feito água, ou estariam longe do tamanho atual, mais de
sessenta milhões de segurados, entre planos hospitalares e odontológicos. E o
número só não é maior porque, não podemos esquecer, a lei é ruim e quase
inviabiliza os planos individuais; e as crises em que jogam o Brasil impedem
que milhões de pessoas tenham renda para pagar as mensalidades.
Atualmente, os planos de saúde privados representam mais de 60% do total
dos recursos investidos em saúde no Brasil. É uma distorção dramática que tem
como consequência a imensa maioria da população ser deficientemente atendida
pela rede pública de saúde, não porque os integrantes do SUS não tenham
capacidade e competência, mas porque não têm os recursos para custear sua
operação no nível e quantidade de procedimentos exigidos para atender mais de
cento e cinquenta milhões de pessoas. E este quadro deve se agravar nos
próximos meses, em função do aumento do desemprego causado pela pandemia do
coronavírus.
Vinte e dois anos depois da promulgação da lei, mais uma vez os planos de
saúde privados atravessam um momento delicado, com o aumento de custos e a
redução de faturamento. Alguns não sobreviverão, mas o sistema como um todo,
com certeza, atravessará a crise e continuará a prestar bons serviços para a
população.