Denise Bueno
Denise Bueno

Jornalista especializada na indústria de seguros brasileira e internacional

Pandemia domina a atenção do setor segurador e prognósticos são desfavoráveis a médio prazo

Segundo Marcio Coriolano, há certa unanimidade de que as consequências da pandemia deverão impactar severamente as atividades de seguros. A insurtech Kakau já refez seu planejamento para 2020 07 de Abril de 2020
Escrito por Denise Bueno

 Conjuntura CNseg, estudo econômico produzido pela equipe da Confederação Nacional das Seguradoras, tem uma edição atípica diante do momento em que vive o mundo. Divulgada mensalmente, com as estatísticas do setor, a edição de março deveria trazer os números de fevereiro. No entanto, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) prorrogou a data de entrega dos dados diante da operação de “guerra” montada pelo ministério da Saúde e que colocou o Brasil todo em isolamento social. 

Marcio Coriolano cnseg
Segundo Coriolano, há certa unanimidade de que as consequências da pandemia deverão impactar severamente as atividades de seguros

Apesar de as seguradoras, em duas semanas, terem colocado todos os funcionários em homeoffice, os números gerais estão sendo processados e serão divulgados o quanto antes pela Susep, que também opera no esquema de homeoffice. A reação do setor segurador à pandemia, para preservar a vida e a saúde de dirigentes e colaboradores, foi objeto de reconhecimento. “Está sendo uma demonstração de que os “planos de contingência” existem e saem do papel, e que o avanço tecnológico e digital colocou o setor muito longe de um segmento econômico atrasado ou conservador em seus programas estratégicos e táticos e em práticas operacionais”, destaca Marcio Serôa de Araujo Coriolano, presidente da CNseg. 

Ele ressalta que o mundo não será o mesmo depois desta pandemia. “Nada será como antes, certamente. O Covid-19 virou pandemia ao chegar a mais de 100 países, matou mais de 62 mil pessoas até o inicio de abril. Os infectados ultrapassam 1 milhão. Os hospitais não dão conta de atender tanta gente. A população foi isolada e isso derrubou o faturamento das empresas. O índice Bovespa recuou quase 36% no primeiro trimestre deste ano e o dólar se valorizou frente ao real quase 30%. Isso mudou tanto o mundo que ainda ninguém sabe o que vai acontecer”, disse ele ao blog Sonho Seguro. 

Quanto ao mercado segurador, a expectativa é de muita mudança no cenário previsto antes da crise, como o de crescimento de diversos segmentos e novas linhas de negócios e a explosão das insurtechs, que já somam 113 no país, segundo estudo da Distrito. Agora elas, tão cheias de otimismo e soluções para o setor, buscam criatividade para manter projetos, funcionários, vendas e investidores animados. Aguardaram quase dois anos por regras da Susep para se constituirem e quando iam começar a preencher o formulário para a seleção do Sandbox, foram surpreendidos pela suspensão da concorrência pelo órgão regulador no dia 30 de abril. 

Henrique Volpi Kakau e associação das insurtechs
O impacto para cada projeto será no tamanho dos cheques, eventualmente na “valuation” e no tempo para fechamento das rodadas”, comentou Volpi, que também é presidente da Associação das Insurtechs no Brasil

Segundo Henrique Volpi, CEO da insurtech Kakau, já começaram as restrições de investores. “Os fundos aqui e lá fora enviaram instruções de preservação de caixa. Alguns amigos de fora relataram sobre fundos retirando “term sheets” enviados antes do cenário atual. O impacto para cada projeto será no tamanho dos cheques, eventualmente na “valuation” e no tempo para fechamento das rodadas”, comentou Volpi, que também é presidente da Associação das Insurtechs no Brasil. 

Especificamente sobre a insurtech Kakau, uma das candidatas do Sandbox, as ações já tomadas incluem um planejamento financeiro que considera 12 meses sem faturamento no pior cenário. Foram suspensas quatro contratações, a mudança para um novo escritório, compras de novos equipamentos tecnológicos e os projetos novos que fossem aumentar o custo operacional. “As nossas vendas continuaram a subir nas últimas semanas e as consultas aumentaram em 220%. Mas, isto vai mudar. Estamos esperando uma redução grande de vendas e aumento de assinantes saindo da plataforma por falta de renda”, comentou. “O lado positivo é que não cortamos quadro e fornecedores e continuamos pagando em dia. Estamos antecipando receitas e vamos buscar linhas de crédito específicas do governo”, acrescentou. 

Com tal cenário, a Carta CNseg traz apenas uma certeza: “Os próximos dados do setor, como vimos demonstrando, devem ser positivos porque ainda são influenciados pela forte contratação que caracterizou o segundo semestre do ano passado”, afirmou Coriolano. “Embora os prognósticos sejam incertos, vale reproduzir resposta de Raghuram Raja, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) em recente entrevista: “A prioridade número um é conter a pandemia (…). Em segundo lugar, o importante é manter as pessoas vivas. (…). E em terceiro lugar, é preciso manter as estruturas econômicas necessárias para que possa haver crescimento quando este período terminar. Manter as estruturas funcionando se elas não puderem ser restabelecidas rapidamente”, cita Coriolano.

Em vez de números, a equipe econômica da CNseg traz o resumo dos fatores que podem impactar os números do setor e dos fatores que podem mitigar as perdas que poderão alcançar as atividades do setor segurador até o final de 2020. Segundo Coriolano, há certa unanimidade de que as consequências da pandemia deverão impactar severamente as atividades de seguros, sendo os seguintes os principais fatores:

FATORES IMPACTANTES EXTERNOS AO SETOR

– A queda do nível geral de atividades e do emprego, especialmente nos setores industriais, estes também mais sensíveis às diretrizes de isolamento social, principalmente pela concentração da produção em regiões de maior contágio. Esse fator impacta mais os ramos do segmento de Danos e Responsabilidades, seja o de Automóveis, sejam aqueles com participação relativa importante em coberturas de propriedades industriais, responsabilidade civil e D&O. Impacta também os Seguros de Pessoas – Vida Risco Coletivo e os Planos e Seguros de Saúde Empresariais.

– A queda no setor agrícola, menor do que a prevista para os setores industriais, considerando menos severo o contágio em regiões de baixa densidade demográfica; porém um setor afetado pela nova dinâmica do comércio internacional e volatilidade do câmbio. Esse fator impacta o ramo de Seguro Rural e o de Propriedades de empresas da agroindústria. Da mesma forma, impacta os Seguros de Pessoas e Seguros de Saúde.

– A queda no setor de comércio e serviços, que se mostra diferenciada pelos efeitos da demanda da população. São menos afetadas as atividades de mercadorias de abastecimento essencial como produtos farmacêuticos, entregas de alimentos em domicílio, higiene e limpeza. Negativamente afetados os de alimentação fora do domicílio, vestuário e calçados. O fator impacta os ramos de Propriedades, Responsabilidade Civil, e, da mesma forma que os outros setores da economia, os Seguros de Pessoas – Vida Risco Coletivo e Seguros de Saúde.

– A queda da massa de renda e do rendimento médio, como efeito do nível geral da economia e mesmo com as medidas compensatórias do Go- verno para mitigação dos efeitos no mercado de trabalho. Esse fator impacta todos os ramos de seguros do Segmento de Pessoas, especialmente os massificados, como os Seguros de Vida Risco, Prestamista, Planos e Seguros de Saúde Individuais e por Adesão, e o Segmento de Capitalização.

– O aumento do nível de cancelamento e da ina- dimplência de contratos de seguros em razão do efeito-renda da pandemia do novo coronavírus.

– A restrição de funcionamento das unidades de atendimento do Sistema Financeiro Nacional, notadamente no setor bancário, pelo efeito do isolamento social. Restrição que impacta a oferta de produtos de seguros como Vida Risco, Prestamista, VGBL, PGBL e Títulos de Capitalização.

– A redução importante da circulação de pesso- as nas cidades, fator que, em conjunto com os antecedentes, contribui para deprimir a atividade econômica e a capacidade de recuperação da vida econômica na atualidade. Esse fator impacta tanto a oferta de produtos de seguros, quanto a sua demanda, e, principalmente, a distribuição de produtos e serviços securitários pelos corretores e seus auxiliares.

FATORES IMPACTANTES INTERNOS AO SETOR

– O aumento, na Saúde Suplementar, da frequência de exames específicos do COVID-19 e das internações decorrentes da doença. E aumento da severidade dos eventos de internação, pelo recurso à UTI, e pela elevação do prazo médio de internação. Espera-se aumento da sinistralidade em razão da combinação da expansão relativa de determinadas despesas com a queda dos beneficiários.

– O aumento, nos Seguros de Pessoas – Vida Risco, da frequência de indenizações por morte em decorrência do COVID-19, em contratos que tiveram flexibilizadas as condições de restrição de coberturas para epidemias e pandemias declaradas pelas autoridades competentes.

A par desse cenário, cujo alcance no tempo ainda é impossível de ser determinado, mas com elevada probabilidade de acompanhar mais meses até o final do ano, alinham-se, a seguir, também fatores mitigadores, próprios da recente dinâmica setorial.

Se reduz a atividade, vai reduzir a contratação dos seguros. A maior dificuldade do período, nao é a redução da atividade econômica, mas a baixa da demanda diante do isolamento social. que não vão comprar seguros. E os corretores? Conquistamos nível interessante de plataformas. O corretor é um consultor. Ele esta imobilizado em casa. 

FATORES MITIGADORES DO IMPACTO DO NOVO CORONAVÍRUS SOBRE O SETOR

– O desempenho superlativo do setor segurador em 2019, notadamente no segundo semestre, com um efeito carry-over para 2020, servindo para manter a arrecadação setorial em nível que pode mitigar a queda de contratações, pelo menos no primeiro semestre.

– O nível de solvência e de padrões de governança alcançado pelo setor de seguros brasileiro.

– A desaceleração do ritmo de circulação geral de pessoas nos centros urbanos, principalmente, com efeito positivo nos eventos associados a i) colisões e roubos de veículos; ii) assaltos e roubos de propriedades e iii) atendimentos eletivos na rede assistencial de planos e seguros de saúde privada.

– O funcionamento efetivo de todas as áreas de serviços das seguradoras, remota ou internamente, mantendo-se os níveis de atividades, segurança e controle adequados ao atendimento aos segurados, bem como projetando nível de confiança positivo perante o mercado e a mídia.

– O avanço tecnológico já conquistado, com o funcionamento adequado de plataformas de atendimento remoto de plena funcionalidade e também de vendas remotas de produtos.

– A rápida reação à redução da mobilidade de pessoas, mediante o suporte e integração das seguradoras com a rede de distribuição de corretores, para potencializar as plataformas remotas de atendimento e vendas.

– O pleno funcionamento das entidades representativas dos segmentos do mercado segurador, atuando em apoio corporativo às seguradoras, aos corretores e aos resseguradores em seus diálogos com as autoridades reguladoras e com a imprensa.

– A disposição e ação efetiva do órgão de supervisão, a Susep, para acolher propostas e para implantar medidas de redução da carga regulatória em tempos de crise. Observam-se o estudo e o desenvolvimento de medidas regulatórias pontuais relativas a exigências de capital e solvência para funcionar como uma “rede de proteção” transitória até a decretação do final da pandemia do novo coronavírus.