Sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e Presidente da Academia Paulista de Letras
MUDANÇA POSITIVA, MAS DELICADA
A SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) autorizou a utilização de peças não originais no reparo de veículos. 28 de Fevereiro de 2020A SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) autorizou a utilização de
peças não originais no reparo de veículos. São peças fabricadas pelas
indústrias independentes. Em princípio, como são mais baratas do que as peças
originais, sua utilização deveria baratear os reparos e, consequentemente, o
seguro. Mas há uma série de pontos que precisam ser bem definidos, antes da
regra entrar em vigor.
O primeiro problema é a desvalorização do veículo. Ao ser reparado com
uma peça não original, ainda que a aparência, a simetria e a segurança estejam
garantidas, o segurado pode alegar que o uso de peça fabricada por terceiro
desvaloriza seu veículo.
O segundo ponto relevante é a segurança da peça utilizada. Existem
diferentes fabricantes independentes que podem produzir produtos de diferentes
graus de qualidade, desde a melhor até a mais sofrível. Assim, a utilização de
uma peça de qualidade inferior pode diminuir a segurança esperada ou pode
resultar em outros problemas, como, por exemplo, um farol ter cor diversa da cor
do equipamento original, o que seria dramático no caso da sua instalação em
substituição ao farol original danificado. Ao ter dois faróis de cores
diferentes, além da quebra da harmonia, o veículo se desvalorizaria.
Acontece que as cores dos equipamentos serem diferentes não significa
queda na qualidade do produto. Um produto pode ser mais claro, outro mais
escuro, sem que haja uma diferença de desempenho entre eles. Isto permitiria
que uma seguradora mais “econômica” alegasse que o funcionamento da nova peça
não compromete a segurança do veículo reparado e que, portanto, o reparo, ainda
que resultando em dois faróis com cores diferentes, está corretamente
realizado.
O quadro se complica mais quando a peça utilizada tem um padrão de
qualidade nitidamente inferior às peças originais. A questão deixa de ser
estética ou de cor, para entrar no desempenho e na segurança esperados do bem.
Muitas vezes o segurado não tem acesso às peças que serão instaladas em
seu veículo. Isso faz com que ele não saiba o que está colocado debaixo da
pintura. Se a peça é confiável ou não; se sua qualidade é do mesmo nível da
peça original; se há comprometimento da segurança, etc.
A ideia da utilização das peças dos fabricantes independentes na
reparação de veículos segurados é muito positiva sob o aspecto de preço, mas,
como exposto acima, pode acarretar problemas que tendem a desaguar no aumento
da judicialização do tema seguro.
Para que isso não ocorra é indispensável as seguradoras aprimorarem os
clausulados de suas apólices, melhorando a clareza da redação, os conceitos
envolvidos, as situações em que as peças podem ser utilizadas, o padrão delas,
enfim, tudo que possa dar a transparência necessária para que o contrato seja facilmente
entendido pelo segurado, que, frise-se, não é especialista em seguros, em
automóveis e muito em menos em peças da indústria automobilística.
Seria interessante as seguradoras oferecerem diferentes tipos de
apólices, desde as mais caras, nas quais o uso de peças originais é
obrigatório, até outras mais em conta, nas quais o uso de peças de fabricantes
independentes substituiria as peças de fábrica.
A decisão da contratação seria exclusivamente do segurado, que assinaria
a proposta confirmando o tipo de seguro que contratou, consequentemente reduzindo
eventuais problemas futuros, tanto pela obrigatoriedade do uso das peças
originais, como pela opção mais barata, com a utilização de peças sem a marca
da montadora.
O limite para a variedade de situações seria dado pela seguradora, que
delimitaria em suas diferentes apólices o quê e como será usado e em que
situações esse uso é possível.
Os seguros custariam preços diferentes, com as apólices que indenizam
peças originais custando mais caro do que as que não as utilizam. Eventuais abusos
de preço entre os seguros ofertados seriam corrigidos pela concorrência que, no
setor de seguros de veículos, é acirrada.