Sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e Presidente da Academia Paulista de Letras
TEMPESTADES E VENTANIAS CAUSAM DANOS
Não tem como, todo verão é a mesma coisa. 13 de Dezembro de 2019Não tem como, todo verão é a mesma coisa. Não porque o Brasil está na
mira de Deus, mas porque a natureza funciona de uma determinada maneira e as
coisas acontecem dentro de seu ritmo, que, ao longo dos séculos, se modifica
lentamente, como tem sido observado desde o fim da era glacial, que há dez mil
anos cobriu a Europa de gelo.
Não há dúvida, as mudanças climáticas estão aí e vão cobrar seu preço,
ano após ano. O aquecimento global é real e suas consequências são visíveis. O
aumento da intensidade dos furacões, as tempestades que atingem áreas que não
sabiam o que era isso, as secas onde antes o padrão das chuvas era regular, são
uma pequena amostra do que acontece no planeta.
O Brasil paga mais caro nos meses de verão. É neles que tempestades,
vendavais, tornados, granizo e até furacões batem forte no território nacional,
cobrando alto preço pela nossa localização geográfica e também pela nossa
imprevidência.
Em relação à nossa localização geográfica, não há muito que possa ser
feito. Nossas fronteiras não são móveis, nem temos para onde levar o imenso
território por onde se espalham duzentos milhões de pessoas.
Mas se não podemos fazer nada em relação ao território, podemos fazer
muito em termos de ocupação do solo. Nas últimas décadas, o país experimentou
uma forte mudança demográfica, com milhões de pessoas deixando o campo em
direção às cidades. O resultado foi o adensamento populacional em áreas
sujeitas às consequências dos fenômenos naturais que atingem o país
religiosamente todos os verões.
Não é preciso ir além dos limites do município de São Paulo para se ter
uma amostra do que foi feito em praticamente todo o território nacional.
Ocupações em várzeas mais baixas do que as calhas dos rios; ocupações em
encostas ou ao pé dos morros; vegetação substituída por asfalto;
impermeabilização do solo; construções sem fundações apropriadas e erguidas com
materiais inadequados são visíveis em praticamente todas as regiões da cidade.
Mas se São Paulo é um microcosmos importante para a compreensão do
fenômeno, há locais em que a realidade se encarrega de mostrar a capacidade
destruidora das tempestades de verão, dos vendavais, da queda de granizo, das
enchentes, do encharcamento do solo, dos deslizamentos e das dezenas, quando
não centenas de mortos, que perdem a vida porque estavam no lugar errado, na
hora errada.
A grande questão que se coloca é: será que eles teriam outros lugares mais
apropriados para construírem suas moradias?
Dependendo do lugar, sem dúvida nenhuma, teriam. Muitos dos imóveis
atingidos não são barracos ou casas precárias, erguidas de qualquer forma,
apinhadas quase que uma sobre a outra. Ao contrário, são imóveis sólidos, bem
planejados, ocupados por pessoas de posse.
Se, de outro lado, milhões de brasileiros vivem onde dá, porque não têm
outro lugar para morar, a região serrana do Rio de Janeiro e Blumenau são
exemplos de áreas urbanas ricas invariavelmente atingidas pelas chuvas que caem
nos meses de verão.
O que se vê no país é a falta de ordem na ocupação do solo. O fenômeno
não é brasileiro. No mundo inteiro as coisas acontecem mais ou menos da mesma
forma. É ler os jornais de algumas semanas atrás para ver as marés que
atingiram Veneza, ou os incêndios florestais que custaram mais de vinte bilhões
de dólares porque devastaram ricas regiões da Califórnia.
Em comum, todos os países têm a baixa contratação de seguros para fazer
frente a parte desses riscos. Seja porque as seguradoras não aceitem, seja
porque os proprietários não fazem, o fato é que boa parte das catástrofes de
origem climática não são seguradas. A conta acaba com os governos e com as
pessoas atingidas.
Como todas as previsões indicam que nas próximas décadas a tendência é
estes fenômenos crescerem de frequência e intensidade, é necessária uma mudança
de postura por parte dos governos e das seguradoras. É indispensável que
comecem a agir em conjunto e que o pontapé inicial seja a regulamentação da
ocupação do solo.